No lugar de uma “Conclusão”,
com resultados finais, seguem “Sete lembretes” para
cada dia da caminhada. Podem ser guardados no coração
e fixados na porta do quarto. Lembram nossa natureza missionária
e a relevância dessa natureza para o mundo que nos rodeia.
1) Quem somos?
Somos povo
de Deus. Somos Igreja. Somos comunidade missionária. A
identidade missionária é a identidade do caminho.
Peregrinamos no mundo sem ser do mundo. Nossa missão é
integral (abrange a pessoa em sua totalidade: corporal, emocional,
racional, espiritual), específica (inserida em um determinado
grupo social: campo, cidade, afro-americanos, indígenas,
pescadores, sem teto, excluídos) e universal (articulação
dos diferentes segmentos sociais numa causa comum). Somos esperança
da água no tempo da seca, esperança do pão
no tempo da fome, esperança de sentido num mundo absurdo.
Somos cidadãos do Reino, não funcionários
de instituições ou sistemas. Somos esperança
pela nossa presença, pelo testemunho, pelo serviço
e pelo anúncio do Reino.
2) De onde
viemos?
A Igreja Povo
de Deus nasceu do amor de Deus. Esse amor transborda como uma
fonte que não consegue conter a água. Transborda
na missão de Deus, na encarnação do Filho
e na doação pentecostal do Espírito Santo.
Jesus, o Caminho, e o Espírito Santo, o Guia, colocam os
discípulos e as discípulas na linhagem da “missão
de Deus”. O povo de Deus vive o envio trinitário
no discipulado, anunciando a Boa-Nova do Reino. A missão
vem de Deus e nos faz voltar para Deus.
3) O que anunciamos?
Anunciamos
o Reino como meta historicamente relevante para além da
história, portanto, escatológica. O anúncio
missionário tem uma estrutura pascal e pentecostal. Não
temos medo diante do absurdo e da finitude da vida. A luta não
foi nem será em vão! Anunciar o Reino significa
participar da luta pela justiça da ressurreição.
Através da ressurreição de Jesus, Deus rasgou
a sentença de morte do Justo. O anúncio missionário
é um anúncio em defesa da vida em todas as suas
dimensões (desde a não-manipulação
de embriões até as questões ecológicas).
Esse anúncio é acompanhado de sinais de justiça,
de ressurreições diárias, que sustentam nossas
imagens de esperança.
4) Com quem
contamos?
Em seus discursos
axiais da Sinagoga de Nazaré (Lc 4), das Bem-Aventuranças
(Mt 5) e do Último Juízo (Mt 25), Jesus de Nazaré
é muito claro. Os protagonistas de seu projeto, que é
o Reino são as vítimas (pobres, cativos, cegos,
famintos, oprimidos, estranhos, enfermos). Mas esses não
são apenas os protagonistas ou os destinatários
do projeto missionário, são também os representantes
de Deus no mundo. São os missionários da grande
missão inter gentes. Como tais, apontam para um outro mundo
que é necessário, possível e real. Na lógica
do Reino, “os pequenos“, os que vivem do lado sombrio
do mundo, são caminhos da verdade e porta da vida. Para
eles e com eles a comunidade missionária reserva sempre
o melhor: o melhor tempo, o melhor vestido, o melhor espaço.
Contudo, não idealizemos “os pequenos” nem
a nossa capacidade de estar a seu serviço e de nos tornar
como eles. Joio e trigo fazem parte da realidade humana, da nossa
e da dos outros (cf. Mt 13,24-30). O mundo dos “puros”
seria um mundo do terror e da intolerância. Continuamos
cultivando o trigo. E o joio? Perdão e conversão.
5) Por que
lutamos?
O projeto
de Deus, que é o Reino, coloca a comunidade missionária
não só no meio dos pequenos, dos pobres e dos excluídos
como um grupo a mais. O povo de Deus se constituiu a partir dos
pequenos, dos pobres e dos excluídos. Com eles, assume
a sua missão profética, denunciando o anteprojeto
que é o reino do pão não partilhado, do poder
que não se configura como serviço, do privilégio
que favorece a acumulação e do prestígio
que organiza eventos de manutenção em vez de articular
processos de transformação. Reconhecemos, hoje,
o anteprojeto no mundo formatado pelo sistema neoliberal, com
a sua lógica de custo-benefício, de concentração
de renda e terra, e de exclusão. Somos areia, não
óleo nas máquinas desse anteprojeto. Compreendemos
nossa missão como militância por um mundo melhor
e por transformações históricas concretas.
Mas esse fim almejado, pela missão, já pode estar
presente nos passos concretos do cotidiano. A ternura do amor
e a clareza mística norteiam a luta. Ação
sem contemplação seria agitação.
6) Como trabalhamos?
Trabalhamos
com o culturalmente disponível. A solidariedade missionária
se realiza através da inculturação concreta
nos contextos. Meios sofisticados são um contratestemunho
para a missão. A eficácia missionária não
está nos instrumentos utilizados, nas na coerência
entre a mensagem do Reino e sua contextualização,
também através do nosso estilo de vida. Entre todos
os meios, porém, a partilha, simbolicamente celebrada na
Eucaristia, é o “instrumento” mais eficaz da
missão, porque permite ver e seguir Jesus. Ao repartir
o pão, os discípulos de Emaús reconheceram
Jesus ressuscitado. Só o pão repartido vai saciar
a fome do povo. O caminhar na utopia do Reino constitui uma das
formas mais radicais da partilha.
7) O que ganhamos?
Na mística da militância missionária procuramos,
a partir dos gestos alternativos, brecar a lógica do sistema
contra a exclusão propomos a participação,
contra a acumulação, a partilha e contra a exploração,
a gratuidade. Na gratuidade se concretiza nossa resistência
contra essa lógica que substitui o “penso, logo existo”
(Descartes) pelo “pago, logo existo” (custo-benefício).
A Igreja Povo de Deus nasceu na festa do Espírito Santo
(Pentecostes) que é Deus no gesto do DOM. A gratuidade
aponta para a possibilidade de um mundo para todos que será
nosso “lucro”. Em Pentecostes, a comunidade missionária
foi enviada ao mundo plural – na gratuidade e unidade do
Espírito Santo: “É gratuitamente que fostes
salvos, por meio da fé. Isto não provém de
nossos méritos, mas é puro dom de Deus. Não
provém das obras, para que ninguém se glorie”
(Ef 2,8s).
Que Nossa
Senhora, Maria Aparecida, nos acompanhe nessa caminhada missionária
inter gentes! Imaculada Conceição, não de
berço esplêndido, padroeira do Brasil! Ela não
nega as origens humildes de seu nascimento e de sua imagem, que
é de barro cozido e escurecido pela longa permanência
nas águas do rio. Desde as profundezas das águas
da nossa realidade e do nosso imaginário, onde convivem
pobreza e realeza, nos convoca e envia – sempre a serviço
do Reino!
SUESS, Paulo.
Introdução á Teologia da Missão. Convocar
e enviar: Servos e testemunhas do Reino. Coleção
Iniciação à Teologia. RJ. Ed. Vozes, 2007.
(p.223-227)