Capa(Fonte: ISTOÉ - Edição 1606 - 07/07/2000.)

Guerra aos planos - continuação
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Cansados dos abusos cometidos pelos convênios, médicos e consumidores tentam virar o jogo

Juliane Zaché, Lena Castellón e Mônica Tarantino

Foto: André Dusek
Há cerca de duas semanas, o frentista Cícero Bezerra de Lima, 26 anos, de Brasília, já estava na sala de cirurgia pronto para ser operado de uma hérnia umbilical quando foi informado de que teria de voltar para casa. O hospital exigiu um cheque-caução do plano de saúde, que não quis ceder. Cícero abriu um processo no Procon daquela cidade e pensa em entrar com uma ação na Justiça por danos morais. Ele ainda sente fortes dores, mas o hospital e o Saúde Bradesco continuam sem se entender. A empresa afirma que liberou a cirurgia, mas o hospital diz que Cícero só esteve lá para fazer uma consulta

Como se vê, é como se o consumidor fosse penalizado quando fica doente e precisa usar um serviço que paga todo mês. E na opinião do psiquiatra Márcio Pinheiro, residente nos Estados Unidos, o pior é que o Brasil está reproduzindo um modelo de assistência que já se mostrou falido. “Vejo com muito maus olhos essa cópia que o Brasil está fazendo dos Estados Unidos. Poucos países, todos do terceiro mundo, estão adotando esse sistema, que, a meu ver, é muito perverso”, critica. Nem a abertura do mercado a empresas estrangeiras, permitida a partir da nova legislação, parece aliviar o calvário do consumidor. A Associação Paulista de Medicina, por exemplo, está cautelosa em relação à entrada do capital estrangeiro no setor.
E tem razões para isso. A entidade recebeu um documento que mostra como uma empresa americana de gestão hospitalar trata a classe médica. Dois dizeres chamaram a atenção da APM: “Dirigir médicos é como dirigir gatos” e “A parte mais cara do tratamento ao paciente é a caneta do médico.” O material fez parte de uma apresentação feita por Paul Mouristezen, vice-presidente internacional da New England Medical Center, de Boston, durante uma palestra sobre gestão hospitalar em Salvador. Parceira da empresa no Brasil, a New England Serviços e Participações (Nesp) se defende. “A primeira frase não foi acintosa. Foi uma brincadeira”, afirma George Schahin, presidente da Nesp. A idéia era dizer que gatos detestam ter chefes. Apesar disso, gostariam de ocupar esses postos. Quanto à caneta do médico, Schahin argumenta que os custos hospitalares estão subindo assustadoramente. E que a tecnologia avança, encarecendo esses valores. “Quem pede exames? Não são os hospitais, e sim os médicos”, diz.

Foto: Ricardo Stuckert
Em 1997, Milena (nome fictício), 33 anos, adquiriu plano da Amil. No ano seguinte, foi internada. “Recebi o diagnóstico de HIV.” Ela ficou seis dias na instituição. Uma semana depois, o hospital cobrou-lhe cerca de R$ 2,5 mil. A Amil só cobrira os dias em que não se sabia qual era o problema. “Paguei a metade da quantia.” Ela quer recuperar o dinheiro. Milena continua com a Amil. Mas critica. “Plano foi feito para não ser usado. Se a gente usa, pega o dinheiro que seria embolsado pelas empresas.” A Amil não pagou os três últimos dias porque a obrigação de cobrir doenças infecto-contagiosas como a Aids passou a valer a partir de dezembro de 1999

Com tanta confusão, será que há alternativas de cobertura digna para tratamento de saúde? Para as empresas privadas e estatais, sindicatos, associações e fundações, a resposta é sim. Trata-se do modelo de auto-gestão – empresas integradas por médicos prestadoras de serviços. O Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, por exemplo, optou por essa alternativa depois de não concordar com os reajustes de renovação de contrato da Unimed Paulistana. “Sai mais barato porque a empresa paga apenas quando o funcionário usa o serviço”, explica Walter Lyrio do Valle, gerente médico da Associação Beneficente dos Empregados em Telecomunicações, contratada pelo sindicato. Mas, ao que parece, o consumidor que paga o plano do próprio bolso ainda terá muita briga pela frente.

Colaboraram: Francisco Alves Filho (RJ) e Ricardo Miranda (DF)

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