HISTÓRIA DE UMA PAIXÃO

Por quê as artes mágicas foram, alternadamente, amparadas e perseguidas pelos Reis? Quê paixão poderosa se apoderou inclusive do próprio clero, participante ativo da magia?

O primeiro livro Esotérico

Cabala, que significa tradição, se remonta a Adão, quem , segundo a doutrina, recebendo Anjo Rasiel uma série de conhecimentos esotéricos, sem dúvida para que soubesse desenvolver-se pelo mundo. Já antes da vinda de Jesus Cristo, o Nazareno, se interpretavam hermeticamente os segredos da criação, contidos no Gênese e nos capítulos I e X do livro de Ezequiel, exaltados pela fervorosa imaginação dos místicos judeus, os quais aceitaram plenamente, que Moisés havia recebido no Sinai uma série de revelações secretas, que só podiam ser reveladas aos iniciados, e hoje em dia se encontrariam dispersas pelos manuscritos do Mar Morto, livros apócrifos hebreus, especialmente o dos Jubileus, e outros textos guardados cuidadosamente pelos essênios, que, em síntese, vinham a compor uma cosmogonia mística.

Partindo do Torá ou Pentateuco, diz-se que aparece na Babilônia, durante o ano 12 da nossa era, ainda que muitos assegurem que se escreveu no século VI ou VII, o primeiro dos livros esotéricos cabalísticos, o Sefer Yezira ou Livro da Criação, que foi atribuído diretamente e sem intermediários às mãos de Abraão e DEUS.

Foram outros sefarditas espanhóis, os que publicaram o segundo texto cabalístico, por volta do século XII. Abulafia de Tudela, que assinava com o pseudônimo de Azriel e seu discípulo, Isaac, o cego, publicam o Sefarha Banir, ou Livro da Criação, que é um comentário místico sobre o primeiro capítulo de Gênese, prestando atenção especial às emanações demúrgicas, luz, sabedoria e razão, que naturalmente associavam à trindade judaica. Neste livro se encontra toda uma doutrina muito mais profunda e crítica que a contida no Talmude, com uma linguagem sensual referida ao amor e ao matrimônio entre Deus e a alma humana, sem a qual, por meio dos tradutores toledanos, provavelmente as obras da mística cristã houvessem ficado na metade do caminho por falta do léxico apropriado em que estão escritas e que não deixa de ser um plágio do misticismo judeu.

A perseguição às Bruxas e a Inquisição

Naturalmente, todas estas práticas eram duramente perseguidas pela Inquisição, apoiada na alegação de que para transmutar metais pobres em ouro, deviam de vender suas almas ao Diabo e que utilizavam ornamentos sagrados, assim como óleos e água benta, em seus rituais secretos. Tampouco eram bem-vistos pelos monarcas, os quais, contudo, os amparavam e protegiam, temerosos de que por si sós pudessem desestabilizar a balança de pagamentos como resultado da transformação das pedras em ouro.

E certamente por tudo isto, seguiam proliferando as superstições e encantamentos. Já eram famosas as bruxas que proliferavam na Europa, onde a cada 15 de agosto, se celebravam conciliábulos famosos mundialmente. E os vampiros ciganos, chamados de mulos, uma espécie de zumbis, que não chupavam sangue, mas que tinham um incrível apetite sexual e que não se despertavam apenas durante a noite, mas também com os sinos do meio dia. Deles provém a expressão dar mulé que ainda hoje se conserva como sinônimo de passaportar ao outro bairro. Os horóscopos que eram prévios ao diagnóstico médico, estavam muito em moda e a Astrologia era considerada como uma das sete artes liberais e até nas igrejas se reproduziam em grandes quantidades .

Os Lobisomens

Para começar os druidas Celtas ancestrais dos galegos, dos quais, Ortega, supõe-se que com razão, dizia que eram os seres humanos mais precisos circunstancialmente, já no século VI a.C., faziam maravilhas pelos bosques do noroeste da península Ibérica. Participavam de um conceito teosófico do mundo, segundo o qual, toda existência é emanação direta da natureza divina. Por isso, disfarçavam-se de animais, vestindo peles e enfeitando-se com flores, arbustos e tudo que estivesse ao alcance para solicitar os mais variados favores dos céus. Certamente, o costume que o imperador Augusto tinha de vestir-se sempre com uma pele de foca para prevenir-se contra o raio, talvez fosse influência de algum celta emigrante.

Já existia, então uma crença universal nos licantropos, lobisomens ou homens-lobo, que eram os sétimos filhos de pais que nuca pariram fêmeas exceto quando se movessem no ventre materno ou levassem gravada na língua, uma cruz. É claro que o destino da sétima filha de uma mãe sem filhos machos, tampouco era muito feliz, pois seria sempre uma fracassada. Para evitar o feitiço, deveria apadrinhar ao recém-nascido, sem dúvida, azarado, um dos seus irmãos. Outro ritual devia ser efetuado aos nascidos à meia-noite do dia 24 de dezembro, ou àqueles que lhes tivessem feito o mau-olhado no seio materno e que, por esse motivo, já nasciam enfeitiçados, os coitados. Caso não fossem realizados estes rituais, o desgraçado haveria de passar as noites de sexta-feira perambulando por aí, transformado mais ou menos em lobo, uivando e assustando à parentes e vizinhos, que por seu lado e em justa causa, se dedicariam a caçar e acabar com o lobo à menor oportunidade que se apresentasse. Isso sim, levando sempre um canino de lobo com uma cruz pintada, para defender-se das mordidas que o enfeitiçado pudesse lhes causar.

E de amuletos, muito há do que se falar. Em primeiro lugar, temos a famosa figa de azeviche, de mão fechada com o polegar estendido, que, segundo muitos, vem procedente do Egito, através da Ibiza cartaginesa e que unia as propriedades naturais e esotéricas do azeviche à qualidade da mão, em um colar par espantar répteis sem patas e decifrar os segredos do futuro. Possuía também claras conotações sexuais, representado ao órgão feminino, por meio do punho fechado, em contraposição com a medalha, que seria, depois, símbolo do caminhante peregrino, rumo à Santiago e que, etimologicamente, deriva de vieira, insígnia de ordem militar, VÊNUS, e que se associa, pelos dedos abertos que se desenham nela, com o amor carnal.

Prisciliano e a Bruxaria do Clero

Mas não nos precipitemos. Seguindo o curso da história, deparamos com esse enigma pouco estudado, como se quisessem varrê-lo do mapa, que se chamou Prisciliano. Nasceu em Iria Flávia, no século IV e desde cedo mostrou sua habilidade precoce.

Parece que por meio da igreja agapeta, aprendeu a doutrina dos essênios, que segundo Plunio eram os únicos habitantes da terra verdadeiramente felizes nela, talvez porque repudiassem ao matrimônio e mantivessem seu número unicamente pelos discípulos que progressivamente iam se agregando comunidade. Pensava-se que Jesus havia lhes participado de seus ensinamentos, em seu isolamento prévio à aparição ante o Batista e eram tidos como únicos e verdadeiros depositários da verdade hermética e da taumaturgia, conhecendo os segredos e propriedades de todas as plantas, pedras e metais, seus valores, solventes, incidência na noites de plenilúnio e podiam ser considerados autênticos alquimistas, doutores e astrólogos. Prisciliano, começou sua predicação com esta experiência, sendo chamado de mago pela igreja oficial, precisamente por seus antecedentes e também de herege, pelos sacerdotes que incriminaram. O caso é que morreu decapitado entre seus muitos adeptos, havendo quem afirmasse que seu corpo seria venerado com outro nome por séculos e séculos e que o gentio de todas as partes iria a seu túmulo, para prostrar-se no jazigo, sem sabê-lo, em terras que o viram nascer.

Bruxos, videntes e curandeiros

Havia medo aos mortos, mas também aos vivos e para superar a ambos, nada melhor que acudir à legião de curandeiros, bruxas e poções existentes para cada caso. Existiam as magas, que talvez não mais existam, mas existiram, sábias, benzedores, pajés, foliões dispostos a reparar qualquer desaguisado da virgindade, videntes, mandingueiros, feiticeiras, encantadores, embrulhadores, consoladoras, pastores, santos, romarias, óleo da lâmpada de igreja, pontífices, orações, incensos, cruzes de Caravaca, amuletos alhos, chifres, ungüentos, ervas e remédios caseiros compostos de cinzas de forno de pão, sangue de gato preto, excrementos e outras miudezas, nas quais até médicos e veterinários acreditavam.

Estamos então no século XII, quando surge a menos reconhecida de todas as contribuições ao ocultismo mundial. A Cabala, não seria o que é sem que, por volta de 1280, um tal Moisés Bem Sem Tob de Leon, houvesse publicado o mais importante dos livros cabalísticos, o Sefer há Zehar, ou Livro do Esplendor.

O rei de Castela, Alfonso X, apelidado o Sábio, reconhecia em suas obras a existência das artes mágicas, recomendando a adivinhação por meio das estrelas como método mais fiável. Todos os males, presentes e futuros encontrariam remédio graças aos milhares de exorcismos e sortilégios que eram de conhecimento público. Existiam os que serviam, à cura, à defesa contra os inimigos, para enganar os amigos e até, para pecar sem conceber, em pecaminosa contradição com o exemplo virginal proposto pela Igreja. Assim, a hoje tão utilizada pílula anticoncepcional, era substituída por uma infinidade de métodos, dos quais merecem menção especial, cuspir três vezes na boca de uma rã e o não menos incrível e incômodo, de segurar na mão, durante o coito, uma pedra de jaspe.

As bruxas estavam em pleno apogeu. Todo mundo acreditava nelas e o Sabat era quase livro de cabeceira, tendo sido mais usado durante o século XIV. Neste livro, se fala dos sofrimentos que se podem infringir às pessoas, fazendo-lhes bonecos de cera que as representam e espetando-os com agulhas e alfinetes, primeira noção dos rituais vodu, de cujo feitiço, foi acusado um ministro do rei francês Felipe IV, por havê-lo supostamente empregado contra seu monarca.

Aparece então, a Inquisição disposta primordialmente a erradicar todo o tipo de crenças profanas e pagãs, junto com as superstições típicas da época. Mas sua tarefa era impossível, porque os próprios clérigos participavam ativamente em toda a prática da magia. Já no século XII, um bispo de Rennes, chamado Marpod, havia escrito um livro sobre as propriedades ocultas de sessenta pedras preciosas, no qual, aconselhava-se portar uma safira na mão durante a oração para obter uma resposta mais favorável do céu, e envolver uma opala em folha de louro, para tornar-se totalmente invisível. Isto faz supor que o astuto ou inocente clérigo, tinha interesses na industria da lapidação, como os diáconos de Veneza na construção, pois estes começaram a levantar templos como processos para deter as sucessivas pestes que assolavam a Itália. Pelo menos, eles nos deixaram a basílica de Santa Maria de Salutte e a peste, os agradáveis contos do Decamerão, de Bocácio.

Por sua parte, os reis não se diferenciavam muito dos clérigos e Enrique II se deixava aconselhar por Thomas Becket, sobre a conveniência de consultar à feiticeiros e profetas para escolher o momento mais apropriado à sua projetada campanha de invasão contra os bretões.

Tampouco era alheio a todo este tipo de crenças, o conhecido mundo das letras e das ciências. Começamos com Santo Agostinho, que recusava por completo a existência de antípodas, incapazes de viver, segundo ele, andando ao contrário em um mundo que despertasse quando o sol se ocultasse, e terminamos pelo grande Miguel Scotto, que escreveu o Liber Intruductorius, sobre Astrologia, Alquimia e Fisionomia, no qual descreve os vinte e oito métodos divinatórios conhecidos, número relativamente pequeno, ainda que este pensador acreditasse cegamente em todos eles, inclusive os zodíacos, dos quais existe ainda um que enfeita as paredes do colégio de São Isidro de Leon.

Muito e quase tudo de mau se escreveu sobre a Inquisição, especialmente na Espanha. Não obstante, abriremos aqui um espaço a seu favor, em tudo que se referir ao campo que nos interessar. Se bem é verdade que, os inquisidores demonstraram um ciúme verdadeiramente assassino, para erradicar a heresia e eliminar os judeus, não é menos verdade que tiveram tolerância com magos e bruxos, contra os quais, possivelmente com receio, não quiseram intrometer-se. Tolerância que faria empalidecer aos inquisidores, juizes e pastores de outras igrejas e religiões, freqüentemente mais conservadores, reacionários e puritanos que a própria Igreja Católica, que em vez de dirigir-se contra os ateus e hebreus, acenderam suas fogueiras purificadoras para queimar bruxas e adivinhos.

Inquisição ditou em Logronho, no ano de 1614, umas normas verdadeiramente racionais para tratar das bruxas da região, não sem antes haver reconhecido as tremendas injustiças cometidas no passado em nome de Deus. Como castigo eram passeadas, montadas sobre um burro com uma ultrajante coroa pelas praças do povoado, o que não deixava de ser muito mais agradável do que convertê-las em cinzas ao calor de uma fogueira.

Bibliografia:
AS CIÊNCIAS PROIBIDAS
Editora Século Futuro

Anterior Próximo

Hosted by www.Geocities.ws

1