Mestres e doutores brasileiros
formados por universidades estrangeiras esperam há
pelo menos dois anos que seus títulos sejam validados
no País. São cerca de mil pessoas –
professores em sua maioria – que fizeram cursos a
distância ou semipresenciais oferecidos por instituições
da Espanha, França e Portugal, entre outros países.
A maior parte dos cursos funcionou entre a metade dos anos
e o início da década, muitos dele sem parceria
com universidades brasileiras. Em 2001, o Conselho Nacional
de Educação (CNE) proibiu por meio de uma
resolução que as instituições
estrangeiras abrissem novas matrículas e que continuassem
a atuar no Brasil.
Segundo o Ministério da Educação, de
800 diplomas analisados somente este ano, apenas 1 teve
seu valor reconhecido. “Isso sugere que os cursos
não eram de boa qualidade. Esses alunos perderam
tempo e dinheiro”, diz o diretor Avaliação
da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior Capes), Isaac Roitman.
O Ministério da Educação está
concluindo o projeto de um decreto que pretende dar mais
clareza às regras para a educação à
distância no Brasil. O decreto, porém, não
mudará a situação dos 9 mil formados.
Segundo o secretário da Educação à
Distância do MEC, João Teatini, a idéia
é tornar a legislação mais clara daqui
para a frente e ajudar assim os futuros interessado sem
formação a distância. “Hoje a
legislação é fragmentada e inconsistente.”
A partir de 1995, o País viveu um boom de oferta
de cursos de universidades estrangeiras. O foco era mestrado
e doutorado. Muitas firmaram convênios com parceiras
brasileiras. Algumas enviavam professores ao País
para ministrar aulas presenciais do curso. Outras ofereciam
o conteúdo inteiramente pela internet. Entre essas
instituições estavam a Universidade de Havana
(Cuba), de Extremadura, de Léon, Pontifícia
Salamanca (as três da Espanha), Limongese Marselha
(França), Fernando Pessoa (Portugal) e American World
University (Estados Unidos).
Quando o CNE emitiu a resolução em 2001, deu
um prazo essas instituições para que remetessem
ao MEC os nomes todos os 9mil alunos que já haviam
concluído a pós ou que ainda estavam se formando.
Pela legislação brasileira, qualquer cidadão
que obtenha um diploma de universidade estrangeira (seja
num curso a distância feito daqui ou presencial realizado
no país de origem) precisa revalidá-lo no
Brasil. Esse processo é feito por uma universidade
brasileira, geralmente pública, após uma análise
conteúdo do curso.
Mas o processo enfrentado pelos mestres e doutores “estrangeiros”
que solicitaram a revalidação ao MEC não
é assim tão simples. Fernando (nome fictício),
psicólogo do Distrito Federal, gastou R$ 12 mil mestrado
a distância que fez pela American World University
– uma das poucas, que depois de muitas brigas com
o MEC, ainda atuam no Brasil.
Fernando terminou o curso em 2002 e no início deste
ano encaminhou seu pedido de revalidação ao
ministério. “Preciso dessa revalidação.
Sou professor universitário e esse mestrado é
importante para meu trabalho”, afirmou. Para o procurador
da American, Gilberto Pinheiro dos Santos, alunos de cursos
estrangeiros não têm conseguido validar seus
diplomas por motivos que fogem da esfera acadêmica.
“Não conseguem validar porque há um
corporativismo louco entre as instituições
brasileiras e por causa de alguns retrógrados do
MEC.” Santos questiona a capacidade das universidades
indicadas pelo ministério para analisar e revalidar
diplomas.
“A universidades não estão organizadas
para fazer essa revalidação. Não têm
membros preparados para compor uma comissão que faça
a equiparação dos diplomas.” “Estamos
preocupados exclusivamente com a qualidade dos cursos”,garantiu
Roitman.
(O Estado em S. Paulo – 20/11/05)
Como fazer uma Dissertação
de Mestrado:
Uma análise reflexiva sobre a ironia do processo
(Professor Wesley A Gonçalves, Aluno
especial do Mestrado em Gestão do Conhecimento e
ADM e T.I.)
1 Introdução
Após acompanhar o processo de desenvolvimento de
várias dissertações de mestrado e várias
bancas avaliadoras, após conversar com alguns colegas
e perceber que todos enfrentam situações semelhantes
com seus orientados, chegamos à conclusão
de que seria necessário escrever um pequeno ensaio
sobre o processo de realização de um mestrado,
especificamente na área do seu curso.
Este trabalho utiliza a
ironia, o que para quem não sabe, é uma forma
de discurso que busca usar o humor para trazer uma mensagem.
Como existe muita gente sem senso de humor é necessário
deixar bem claro que os conselhos deixados abaixo não
são para ser seguidos em sua forma literal. Eles
trazem mensagens implícitas, que se você olhar
com discernimento poderá perceber fatos e situações
que acreditamos são quotidianas na vida acadêmica.
Outros fatos e situações são completamente
irreais, mas nós os achamos engraçados e incluímos
assim mesmo.
Este trabalho é direcionado
aos estudantes de mestrado, especialmente aos de informática
na educação, que poderão achar aqui
excelentes dicas sobre o que não se deve fazer durante
o mestrado.
Não pretendemos aqui
ridicularizar pessoas reais, mas se você se identificar
com alguma das situações descritas abaixo,
bem... quem mandou você agir assim? Não nos
culpe!
2 O Processo de Orientação
2.1 Como se Comunicar com o Orientador
Durante o mestrado é interessante que você
desapareça por uns três ou quatro meses, e
depois telefone para o seu orientador, de preferência
em um sábado à noite ou domingo pela manhã,
para dizer que está desesperado com o seu trabalho.
Orientadores adoram ouvir que seus alunos estão desesperados.
Isso os deixa satisfeitos, pois cumpriram seu primeiro dever,
que é o de desesperar os alunos. Você já
deve ter percebido isso, quando após a primeira conversa
seu orientador lhe passou 45 artigos em inglês e 2
livros em eslovaco para você ler e apresentar uma
análise crítica em duas semanas.
Bem, depois de ficar feliz
com sua condição atual, seu orientador vai
perguntar o que você fez nestes três ou quatro
meses. Diga que você não teve muito tempo (ou
seja, nenhum tempo) para dedicar à dissertação
porque:
a) O serviço na firma
tem lhe ocupado muito;
b) Você viajou muito;
c) Você teve problemas
em casa;
d) Você está
com fobia de dissertação e a psicóloga
ainda não conseguiu tratar isso;
e) O cachorro comeu seu
trabalho; ou
f) Qualquer outra desculpa
esfarrapada.
Outra forma interessante
de abordar seu orientador é lhe enviar um e-mail
e quinze minutos depois ligar para ele perguntando se ele
leu o seu e-mail. Como ele certamente não leu, porque
estava fazendo coisas menos importantes, isso já
o deixa na defensiva.
Mas se você realmente
quer ficar por cima, faça o seguinte:
a) Envie e-mails para seu
orientador a partir de um endereço falso. Sempre
que ele tentar responder, vai receber seu e-mail de volta.
b) Telefone para o escritório
dele nos horários em que você sabe que ele
está em aula. Faça isso durante umas duas
semanas. Deixe sempre recado para ele retornar a ligação
e um número de telefone que não existe.
c) Finalmente, descubra
quando seu orientador viaja e vá ao seu escritório
nestes dias. Reclame com todo o mundo que você nunca
o encontra e que ele não responde os seus e-mails
nem seus telefonemas.
Pronto, você já
conseguiu um respeito profundo pelo seu orientador e a partir
de agora ele vai deixa-lo em paz.
2.2 O que Ler
Quando o orientador exigir que você leia alguma coisa,
não faça isso. É melhor tentar tirar
a dissertação da sua imaginação,
pois a leitura de textos científicos pode poluir
suas idéias com coisas estranhas como “estado
da arte”, “trabalhos relacionados”, etc.
Lembre-se, não estamos interessados em arte.
Se o orientador lhe pedir
para ler alguma coisa em inglês, diga que isso leva
muito tempo e exija bibliografia em português. Sempre
existe alguma tão boa quanto, mesmo que seja de 15
anos atrás.
Outra coisa fundamental:
jamais leia qualquer material que tenha menos de 10 anos
de idade. Lembre-se que o tempo traz a maturidade. Assim,
as idéias de 10 anos atrás são muito
mais sólidas do que qualquer coisa que foi publicada
semana passada. Uma bibliografia bem antiga e respeitável:
isso é o que dá substância a uma dissertação
na área de computação.
3 O Título da Dissertação
O título da dissertação é um
ponto muito importante. É a primeira coisa em que
o leitor vai colocar os olhos. Portanto, faça ele
grande. Três linhas de texto e não se aceita
menos! Coloque no título toda a informação
possível sobre o seu trabalho. Mesmo que o trabalho
depois acabe sendo desenvolvido de uma forma diferente que
não tenha nada a ver com o título, é
absolutamente proibido mudar o mesmo, e você deve
mantê-lo a todo o custo. Muitos alunos perguntam se
podem mudar o título do trabalho depois que registraram
o projeto no seu ingresso no mestrado e a resposta é
claramente “NÃO!”.
Sobre o formato do título,
ainda é importante frisar que ele deve ter obrigatoriamente
dois pontos (“:”) em algum lugar, dividindo
o título principal do subtítulo. Você
viu o título deste artigo? À guisa de exemplo,
considere a correta colocação dos dois pontos
no título abaixo:
“Influência
da salivação das formigas nas rachaduras das
calçadas: um estudo comparativo entre os métodos
de diagonalização simples e triangulação
complexa”
Você não sabe,
mas o título deste artigo tinha apenas duas linhas.
Isso não é desejável, mas colocado
em fonte 20, como fizemos, conseguimos o efeito apropriado,
com o texto em três linhas.
Outra forma muito elegante
de usar os “dois pontos” é quando você
desenvolveu um software/modelo/proposta/etc., que tenha
como nome uma sigla engraçadinha. Coloque o acrônimo
antes dos dois pontos e o nome por extenso logo depois.
É possível ainda adicionar um subtítulo,
mas a maioria vai achar suficiente apenas o acrônimo
e sua explicação por extenso. Veja o exemplo
abaixo:
“PATETA: Parâmetros
Associados de Testes Empíricos para Tratamento Alternativo”
Observação:
a palavra “empírico” é muito empregada
em dissertações na nossa área. Procure
usa-la sempre que possível. “Dialético”
também é importante; mesmo que você
não saiba o que é isso, use!
Se você for louco
para publicar seu trabalho em inglês, use siglas charmosas
como: “SHIT: Software & Hardware Integration Technology”,
ou “CACA: Computer-Aided Cognitive Adaptation”.
Se você não
conseguir produzir um título longo, use o algoritmo
a seguir.
Escreva o assunto. Ex.:
“Hipermídia adaptativa”
Acrescente no início:
“um modelo de”. Ex.: “Um modelo de hipermídia
adaptativa”.
Acrescente no fim: “para
uso no processo de ensino/aprendizagem”. Ex.: “Um
modelo de hipermídia adaptativa para uso no processo
de ensino/aprendizagem”.
Acrescente no início:
“um estudo prático visando uma proposta de”.
Ex.: “Um estudo prático visando uma proposta
de um modelo de hipermídia adaptativa para uso no
processo de ensino/aprendizagem”.
Acrescente no final o famigerado
“dois pontos” e a frase “uma nova abordagem”.
Ex.: “Um estudo prático visando uma proposta
de um modelo de hipermídia adaptativa para uso no
processo de ensino/aprendizagem: uma nova abordagem”.
Use todas as regras ou apenas
um sub-conjunto delas. Tanto faz! Você está
chegando lá...
4 Tempos Verbais
Todos sabem que uma dissertação de mestrado
é um trabalho individual. Por isso use sempre o plural
majestático. Veja abaixo alguns exemplos interessantíssimos:
“Nossa proposta visa
construir um sistema que...”
“Acreditamos que a
interação dos alunos com o sistema...”
“Nós vos concedemos
o título de Sir ...”
Outra coisa que dará
muita credibilidade ao trabalho é o uso da mesóclise
pronominal. Seguem exemplos:
“A experimentação
do processo far-se-á através de...”
“Nossas hipóteses
confirmar-se-ão após...”
“Fi-lo porque qui-lo.
O último exemplo
não consiste de uma mesóclise, mas mostra
o efeito fantástico que se pode obter usando ênclise
no final de uma frase. É de muito bom gosto e elegância.
Outra coisa, que você
já deve ter observado, se leu uma dissertação
em computação, é que primeiro parágrafo
da introdução deve ter necessariamente um
adjetivo megalomaníaco, que mostre a grandeza do
seu trabalho. Seguem exemplos:
“O impressionante
crescimento da Internet nos últimos anos...”
“É cada vez
maior o interesse pela informática na educação...”
“A cada dia mais e
mais pessoas se conectam ao maravilhoso mundo da era digital...”
Segue normalmente ao parágrafo
com o adjetivo megalomaníaco um parágrafo
ressaltando as famigeradas “novas tecnologias”.
Todos sabem que essas “tecnologias”, sejam quais
forem, tem mais de 20 anos, mas como você está
lendo a bibliografia de 15 anos atrás, continue dizendo
que elas são novas.
5 O Editor de Texto
Uma vez um mestrando de alhures me procurou durante um congresso
e perguntou se a “tese” deveria ser escrita
com Latex. Eu perguntei o porquê da questão,
e ele me disse que o orientador dele achava que assim o
trabalho ficaria mais “científico” do
que se ele usasse o Word. A resposta nesse caso é
que o orientador dele está redondamente enganado!
O motivo para usar Latex é que assim ele vai levar
tanto tempo para editar o texto que seu mestrado vai durar
bem mais que os 18 meses recomendados pela CAPES e assim
ele pode manter a bolsa por mais tempo.
6 A Estatística
Você já deve ter ouvido falar que a estatística
é nossa amiga. Isso é verdade. Aplicando os
questionários certos da forma certa você pode
provar qualquer coisa que queira.
Apenas para exemplificar,
conta a lenda que um especialista em marketing resolveu
fazer uma pesquisa para saber se as pessoas costumavam responder
questionários enviados para suas casas. Ele elaborou
um belo questionário onde a principal pergunta era
se a pessoa costumava responder questionários enviados
à sua casa. De 1000 questionários enviados
pelo correio ele recebeu de volta apenas 50, dos quais 49
responderam “sim” a esta pergunta. A conclusão,
a partir do material recebido, era que 98% (49/50) das pessoas
costumam responder questionários enviados a suas
casas.
Portanto, quando você
quiser avaliar seu software educacional, faça um
questionário para os alunos com perguntas do tipo
“você gostou do software?” (eles sempre
gostam), “você acha que iniciativas deste tipo
deveriam ser feitas mais seguidamente?” (todos respondem
que sim, porque enquanto estão brincando com o software
não estão tendo aula), “você aprendeu
alguma coisa com este software?” (todos respondem
que sim. Ninguém admite que não aprendeu nada
para não passar vergonha. É como aquelas pessoas
que riem sem entender a graça da piada. Você
já percebeu que a quantidade de gargalhadas é
sempre maior e seu volume mais alto quando a palestra é
em Inglês?), etc.
7 Os Capítulos
Toda dissertação de mestrado em informática
na educação se divide em quatro ou cinco capítulos.
A seguir passamos a analisar cada uma das partes constitutivas
em suas características próprias.
7.1 A Introdução
O primeiro capítulo da dissertação
deve ser a introdução. Neste capítulo
você deve fazer um longo apanhado de toda a história
da informática no Brasil e no mundo. De preferência
inicie na pré-história. Se você não
sabe nada sobre o assunto, não tem problema. Copie
de outra dissertação. A banca vai adorar ler
e vai aprender um pouco sobre este importante assunto tão
atual “neste final de milênio”.
Outra coisa fundamental
na introdução, especialmente se você
trabalha com informática na educação,
é fazer uma defesa sobre a importância e atualidade
do uso dos computadores nas escolas e como estes professores
reacionários não querem saber de usar o computador
porque “tem medo”. Nunca é demais repetir
isso. Se você quiser também reclamar do governo
que nunca dá verbas para a educação,
este é o lugar para fazer isso.
Em hipótese alguma
fale de seus objetivos no trabalho na introdução
e nem dê pistas sobre o que você fez na dissertação.
Para que adiantar informações que podem ser
tranqüilamente lidas quando o leitor chegar no capítulo
4?
Se o seu orientador for
daqueles dinossauros que ainda pede que se escreva objetivos
no capítulo introdutório, faça de forma
que ninguém desconfie do assunto da dissertação.
Abaixo são citados alguns objetivos genéricos
que você pode perfeitamente usar em seu trabalho.
Não se importe em copiar, afinal texto é para
ser copiado mesmo:
“Nosso objetivo é
melhorar a qualidade do computador na escola”;
“Nosso objetivo é
aprimorar nossos conhecimentos nessa importante área”;
“Nosso objetivo é
trazer uma contribuição para essa área
tão fundamental”.
Existe um tipo de orientador
ainda mais reacionário que pede “objetivos
específicos”. Os objetivos específicos
servem apenas para uma coisa: para deixar o mestrando fulo
da vida porque tem que escrevê-los. Nós realmente
recomendamos que você escreva objetivos específicos,
porque a banca vai pedir. Ou você pode usar isso como
bode, deixando de escrever os objetivos específicos
para que os membros da banca não percebam outros
problemas mais graves no seu trabalho.
Figura 1: O Bode – o bode é um erro grosseiro
inserido de propósito em um trabalho que impede os
avaliadores de encontrarem os verdadeiros erros importantes.
Em hipótese alguma
os objetivos específicos devem trazer alguma informação
sobre o trabalho. Use como objetivos específicos
uma listagem daquelas atividades que são óbvias
em qualquer dissertação. Dê a elas um
grau de importância maior usando alíneas com
figuras complexas como carinhas risonhas e, se possível,
coloridas. Exemplo de objetivos específicos:
: Estudar o assunto;
: Implementar o protótipo;
: Colher resultados;
: Escrever a dissertação;
: Agradar a banca.
Outra forma de causar um
excelente impacto com o seu trabalho é usar e abusar
das partículas “re” entre parênteses
para que uma palavra possa ser lida de duas formas. Segue
um exemplo: “Neste trabalho queremos (re)pensar a
educação para (re)elaborar e (re)organizar
esta área de forma a (re)alizar uma significativa
contribuição.”
7.2 Revisão Bibliográfica
A lei de ouro da dissertação em informática
na educação estabelece o seguinte:
“Toda dissertação
de mestrado em informática na educação
deve ter como capítulo 2 um apanhado da teoria de
Piaget e Vigotsky”
Lembre-se, essa regra é
fundamental. Algumas dissertações mais antigas
apresentavam apenas Piaget no capítulo 2. Hoje é
inaceitável um trabalho que não resuma Piaget
e Vigotsky. Mesmo que você não seja da área,
nunca tenha ouvido falar nestes caras, e não vai
usar nada deles na sua dissertação, é
importante que você os cite, senão os pedagogos
podem achar que o seu trabalho não tem fundamentação.
Aliás, a regra de
prata, que sempre acompanha a regra de ouro diz o seguinte:
“O capítulo
2 é o único lugar da dissertação
onde Piaget e Vigotsky são citados”
Isso implica que a partir
do capítulo 3 você deve esquecer completamente
estes camaradas. Isso vai ser mais fácil se você
procurar não entender o trabalho deles quando estiver
copiando aqueles longos parágrafos do livro “Para
entender Piaget” ou “Vigotski for dummies”.
Não se preocupe também
com o fato de que as teorias de Piaget e Vigotsky serem
contraditórias em muitos pontos. Afinal, isso é
problema dos psicólogos. Se você é formado
em computação e durante o projeto alguém
questionar como você vai absorver estes conhecimentos
de outras áreas, diga que você tem uma tia
que é psicóloga e que ela vai lhe passar estes
lances.
7.3 Desenvolvimento
O capítulo com o desenvolvimento do trabalho deve
ser o mais curto possível. Nunca pode ocupar mais
de 10% da dissertação. Na nossa área
é importante que os trabalhos não sejam práticos.
Análises, comparações, avaliações,
etc.: estas são as palavras chave. “Metodologia”
também é uma palavra excelente para produzir
nada. Veja os exemplos de desenvolvimento abaixo:
“Uma análise
comparativa entre X e Y” - não faça
comparação nenhuma. Apenas descreva X e Y
separadamente. Não tire conclusões.
“Avaliação
do processo Z”. Avalie de acordo com a sua cachola.
Nada de usar metodologia de avaliação. Afinal
você não encontrou nenhuma na bibliografia
que você não leu.
“Uma proposta de metodologia
para W” - proposta de metodologia é um desenvolvimento
excelente para sua dissertação. “Proposta”
significa que você não se compromete em desenvolver
nada; está apenas propondo. “Metodologia”
significa que você realmente não vai produzir
nada mesmo. Escreva um “blá-blá-blá”
e se alguém se queixar diga que esta é a sua
metodologia. Se algum xarope insistir em reclamar, mande
olhar no texto: “a metodologia está descrita
lá”, você vai dizer, “é
apenas uma proposta”.
Seguindo estes conselhos
seu trabalho será um legítimo AMUTS, ou seja,
“Apenas Mais Um Trabalho Sobre...” (adaptação
livre do termo inglês YAPA - Yet Another Paper About...).
Sempre que você não
souber como resolver um determinado problema em seu trabalho
diga que vai usar “técnicas de IA (Inteligência
Artificial)”. Ninguém se importa em saber quais
são estas técnicas, nem você. Quando
chegar a hora é só pegar o livro da Elaine
Rich e achar ali alguma “técnica” que
lhe ajude a resolver o problema de encontrar o último
número primo. “Use a força bruta”,
dirá o livro. Então você pode começar
a espancar sua dissertação com violência.
7.4 Capítulo das
Conclusões
O capítulo de conclusões é de extrema
importância para uma boa avaliação de
uma dissertação de mestrado. Os membros de
bancas somente lêem os objetivos e as conclusões
da dissertação para ver se uns batem com os
outros. Por essa razão, os objetivos só podem
ser escritos após as conclusões que, aliás,
devem ser o menos conclusivas possível.
Lembre-se que depois que
Moisés desceu da montanha com as duas tábuas
da Lei contendo os dez mandamentos, tudo o que se seguiu
tornou-se difuso e relativo, inclusive as interpretações
dos dez mandamentos (Diz a lenda que eram 15 mandamentos
em 3 tábuas de pedra, mas como era desajeitado para
carregar Moises deixou cair uma no caminho). Reforçando:
evite, a todo custo, ser conclusivo, permitindo diferentes
interpretações por parte da banca, podendo
usar para tanto desculpas na linha de não ser partidário
de radicalismos, não ser fundamentalista etc.
Se for absolutamente indispensável
que sua dissertação apresente conclusões
realmente conclusivas, siga o procedimento adotado por experimentados
avaliadores de cursos de pós-graduação,
um segredo acadêmico conhecido por poucos experimentados
pesquisadores. O procedimento é constituído
por três passos:
a) Estabeleça as
conclusões, de forma a agradar plenamente a banca
examinadora, sem criar complicações para você;
b) Gere os dados e observações
que serão usados para justificar as conclusões
estabelecidas no passo anterior; e
c) Por último, descreva
uma metodologia que leve, de maneira “racional”,
das observações às conclusões.
Esse procedimento já
foi usado com sucesso em inúmeros trabalhos, justificando
conclusões como:
“A aranha, sem pernas,
fica surda, pois não pula mais quando a gente manda”
Um último conselho:
produza o abstract com um tradutor automático sobre
o resumo e não o revise, ou melhor, nem mesmo o leia.
É um excelente bode (ver fig. 1)!
7.5 As Referências
Bibliográficas
As referências bibliográficas são de
extrema importância para a credibilidade acadêmica
de seu trabalho. Se tudo o que você disser em sua
dissertação estiver respaldado em adequadas
citações de autores respeitados, seu trabalho
será considerado de bom nível acadêmico,
mesmo que não contenha nenhuma idéia original.
Colocar idéias originais na dissertação,
sem o respaldo de que essa mesma idéia já
foi registrada por algum autor consagrado, pode ser extremamente
perigoso. Os membros da banca estarão atentos para
essa situação e pegarão no seu pé.
Muitos orientadores insistem
em que seus alunos listem as referências bibliográficas
em ordem alfabética do sobrenome do primeiro autor.
Não faça isso! Apenas para criar caso invente
uma ordem qualquer, pois membros de bancas de mestrado,
normalmente, procuram verificar se as referências
do texto constam da bibliografia. Para que facilitar o trabalho
deles?
Uma providência que
pode facilitar muito a sua vida, na hora da defesa, é
colocar nas referências bibliográficas artigos
de autoria de membros da banca. Você pode encontrar
essas referências consultando a plataforma Lattes
do CNPq, que deverá conter o currículo atualizado
dos membros da sua banca. Se os membros da sua banca não
têm seus currículos na plataforma Lattes, então
você começa a ter razões para se preocupar.
Outro lance que pode impressionar
a banca é colocar nas referências bibliográficas
o nome de um figurão da área e, em lugar da
referência do livro ou artigo, um lacônico “comunicação
pessoal”, seguido de uma data.
No meio do texto lembre-se:
jamais ler os originais, use sempre “apud”,
se um texto é bom o suficiente para ser citado por
alguém, certamente será ótimo quando
você o citar de novo sem ler a fonte original.
8 O Texto Final
Para defender a sua dissertação, você
precisa escrever o texto final, que será distribuído
para os membros da banca e se constituirá na peça
central de sua acusação e execração
pública. Esse documento deve ser redigido dentro
de normas e preceitos rígidos, estabelecidos pela
metodologia científica, para ser respeitado como
tendo um mínimo valor acadêmico.
Alguns alunos começam,
precoce e furiosamente, a produzir páginas e páginas
de texto, que somente vão contribuir para aumentar
sua frustração quando o orientador mandar
retirar essas páginas do texto final. “Puxa!
Depois de todo o meu trabalho, não vou aproveitar
esse texto?”. O melhor é evitar de escrever
qualquer coisa antes de ter uma idéia completa da
dissertação, do que deve ser escrito e do
que não deve ou não precisa ser colocado,
ou por ser óbvio ou muito trabalhoso de escrever.
Com essa idéia clara, você não vai precisar
mais do que uma semana para passar tudo para o papel!
Ao longo do processo de
orientação evite a todo o custo passar qualquer
coisa escrita para seu orientador, pois isso só lhe
criará problemas adicionais. Use desculpas clássicas,
como: “só falta descrever o protótipo”,
“falta fechar a bibliografia”, estou revisando
a ortografia”, ou, até, “não consegui
imprimir”. Quando, finalmente, você passar o
texto completo para seu orientador, duas semanas antes da
data marcada para a defesa, será tarde demais para
ele solicitar qualquer alteração que não
seja superficial. Imponha sua decisão, personalidade
e independência: afinal, você é, praticamente,
um Mestre!
9 A Defesa da Dissertação
Normalmente uma dissertação é apresentada
em 50 minutos. É fundamental que você divida
a apresentação em pelo menos oito partes e
gaste 45 minutos inteiros na primeira parte. Você
vai poder perceber como a banca estará relaxada quando
após 45 minutos você disser “agora que
vimos a introdução vamos dar uma olhada no
que dizem os 81 autores citados na revisão bibliográfica”.
Lembre-se de abusar das
transparências. O mínimo para 50 minutos de
apresentação é 100 transparências.
Como você vai gastar 45 minutos nas cinco primeiras,
restarão apenas 5 minutos para as 95 restantes. Assim,
você poderá apresentar o grosso do trabalho
a uma taxa de aproximadamente 3 segundos por transparência.
Reclame que teve pouco tempo para apresentar.
Uma história verídica
relata que uma vez um candidato reclamou que não
poderia falar tudo o que ele sabia em 50 minutos. O presidente
da banca foi direto: “Então fale BEM DEVAGAR
E PAUSADAMENTE!”.
Depois da sua apresentação,
tenha paciência. Este é o momento de glória
dos membros da banca. Cada um vai agradecer o convite, lhe
dar os parabéns pela escolha do tema, tão
difícil, desafiador e multi-disciplinar, e em seguida
vai tentar reduzir você a cinzas. Cada erro, cada
vírgula de seu trabalho, que não estiver de
acordo com a opinião da banca será delatada
em público. Neste ponto é importante observar
que você deve se lembrar sempre de colocar “bodes”
no trabalho, ou seja, aqueles pequenos erros grosseiros
na forma, na paginação ou nas referências
bibliográficas, que fazem com que os membros da banca
se satisfaçam em delatar a sua incapacidade em escrever
um texto bem acabado e não percebam os erros muito
mais profundos e importantes que o seu trabalho realmente
possui. É muito mais fácil arrumar um bode
do que um erro real.
Você já viu
alguma vez um membro da banca dizer simplesmente: “Seu
trabalho está muito bom! Pode ser aceito como dissertação
de mestrado e encerro aqui a minha fala.”? Não!
Neste momento os membros da banca sempre têm algum
defeito a apontar, mesmo que seja imaginário. Se
você fosse membro de uma banca avaliadora você
se sentiria bem se não encontrasse nenhum erro? Não!
Isso provaria que o candidato ao mestrado é mais
inteligente do que você. Isso não pode acontecer
em hipótese alguma. Por isso é que os avaliadores
se esmeram na leitura do trabalho até encontrarem
um erro. Então eles têm o que falar da defesa.
Concluindo: não esqueça do bode!
9.1 A Impossibilidade da
Aprovação sem Observações
Existe uma prova matemática de que um membro de banca
sempre pode ter o que reclamar em uma dissertação.
A seguir faremos a demonstração:
Seja a o número de
capítulos de sua dissertação. Seja
b um número inteiro entre 1 e a: 1 d b d a. Seja
f(b) o número de páginas no capítulo
b, onde f(b) e 1.
Seja x um número
irracional positivo, que chamaremos de limiar de intolerância
do membro da banca. Seria absurdo se este número
fosse inteiro ou fração, portanto, por redução
ao absurdo, só pode ser irracional.
Para qualquer valor de f(b),
se f(b) < x o membro da banca dirá que o capítulo
b está muito curto, para qualquer b.
Se f(b) > x o membro
da banca dirá que o capítulo b está
muito longo, para qualquer b.
É impossível
que f(b) seja igual a x porque x é irracional e f(b)
é inteiro.
Portanto o membro da banca
sempre terá muito o que dizer sobre a sua dissertação.
¤ C.Q.D.
Se sua dissertação
também tiver alguma demonstração como
essa, não esqueça de mudar a fonte das variáveis
para “symbol”. Letras gregas sempre dão
muito mais confiabilidade às suas provas. Apenas
certifique-se de saber como pronunciar o nome da letra,
para não passar vergonha na hora da defesa.
9.2 Como Saber se um Membro
da Banca não leu a sua Dissertação
É fácil saber se um membro da banca não
leu a sua dissertação. Em geral, ele não
vai abordar questões de conteúdo; vai se prender
a observações sobre o resumo, o tamanho dos
capítulos, a quantidade de referências bibliográficas,
e vai perguntar onde você pretende aplicar este trabalho
depois que for concluído.
Quando você perceber
que um membro da banca não leu seu trabalho, você
tem duas possibilidades:
a) Desmascará-lo
em público, perguntando o que ele achou sobre a quadratura
do círculo que você não escreveu na
dissertação. Quando ele disser que achou o
relato interessante você diz: “Há! Eu
nunca falei sobre isso no texto!”.
b) Aceitar o fato e deixar
seguir o baile.
Como a primeira opção
pode acabar em uma anulação da defesa, ou
pior, nas vias de fato, cremos ser melhor você optar
conservadoramente pela segunda opção. Mas
nunca deixe de comentar este fato com seus amigos nas rodinhas
de cerveja: “Lembra do professor Fulano? Pois é!
Ele nem leu minha dissertação, mas achou ótima!”.
10 Depois de Formado
Depois de formado, nunca admita que você trabalha
com informática na educação, a não
ser que você queira ouvir do seu interlocutor tudo
o que ele sabe sobre esse assunto, que o sobrinho dele de
13 anos fez um programa para ensinar, e que ele manja tudo
de informática na educação, que sabe
mais que os doutores da universidade, etc.
Ao invés disso, invente
nomes esotéricos para sua área de pesquisa,
como “matética computacional”, “semiótica
da telemática”, “cognição
multi-evolutiva”, “maiêutica transcendente”
etc. Ninguém vai querer seguir uma conversa se você
disser que está aplicando técnicas de hipo-renderização
bi-polinomial em assíntotas de marcações
não-lineares. Se você quiser realmente espantar
a pessoa ofereça-se para entrar em detalhes.
Jamais use termos de uso
comum como “inteligência artificial” ou
“realidade virtual”. Infelizmente os não
iniciados já se apropriaram destes termos, a partir
de filmes de Hollywood. Se você entrar numa discussão
sobre estes assuntos com eles você vai arrumar uma
úlcera.
Finalmente o trabalho futuro!
Você deve imediatamente após o mestrado engajar-se
em um programa de doutorado para agradar a banca que tanto
quer ver seu trabalho ter continuidade. Mas lembre-se, assim
como o curso superior serve para dar direito a cela especial,
o doutorado tem uma serventia muito importante: quando,
em uma discussão, alguém lhe impuser sua posição
dizendo disser “Eu sou doutor!”, você
pode responder “Grande coisa! Eu também sou!”.
11 Bibliografia
Procuramos durante 15 minutos na Internet e não achamos
nenhum artigo sobre esse tema. Concluímos, portanto,
que o assunto é inédito e este é um
trabalho pioneiro.
|