Titus Marconus


Roma e Bedriacum - Península Itálica - 179 a 176 a.C.

Enquanto Methos se instalava em Bedriacum, Eksamat permaneceu com ele o tempo todo, apesar do desejo de voltar logo para o lado da irmã. Methos precisava de alguém de confiança, além de Lívius, para testemunhar por ele e garantir seu novo disfarce. Por ironia, esse alguém era justamente o ex-cunhado que antagonizara por tantos anos e, mesmo sem confessar isso abertamente, Methos foi obrigado a reconhecer o quanto tinha sido injusto com Eksamat.

A fim de evitar um possível reconhecimento pelo censor Valerius e depois pelo novo censor do patriciado, Marcus Aemilius (1), Methos preferiu mudar de nome e passar-se por ex-escravo. Assumiu assim o status secundário de plebeu e conseguiu enganar o censor da plebe, Marcus Fulvius (2), com maestria. Para escapar a qualquer dúvida que ainda pudesse surgir sobre sua morte, Methos pediu que Lívius transferisse suas propriedades primeiro para Eksamat e, só após um ano, com o cabelo crescido, retomou posse de tudo. Lívius, que a esta altura já tinha algum capital próprio, acabou tornando-se sócio do ex-patrão em vários negócios.

Em Roma, Aka herdou a casa onde morava com Methos e tudo o que lhe pertencia na cidade, já que Eksamat enviara relatos fantasiosos de que os supostos parentes do cunhado ainda não tinham sido encontrados. A herança não era grande, afinal Methos tinha se desfeito de quase tudo enquanto planejava fugir, mas ela também não precisava daquilo - ainda tinha sua própria fortuna, gerenciada pelo irmão, e pretendia devolver o dinheiro a Methos na primeira oportunidade. Assim que vendeu a casa e os móveis e libertou os escravos, que lhe tinham sido sempre dedicados, Aka voltou a morar no palacete de Eksamat, levando consigo apenas a grande arca de cedro que servira de cofre ao ex-marido. Titus Marconus e Peter Gaicus revezavam-se em viagens rápidas ao norte, para dar apoio a Methos, ou aos vinhedos de Aka e Eksamat ao sul, certificando-se de que tudo corria bem. Dos dois amigos, o mais chegado a Aka era Marconus. Era ele quem geralmente ficava em Roma, visitando-a com frequência para transmitir ou receber notícias de Bedriacum e para ajudá-la no que fosse preciso.

Quando Eksamat conseguiu enfim regressar, tendo deixado Methos bem estabelecido no norte, Marconus voltou a ser seu companheiro constante e acabou indo morar definitivamente com os irmãos. Os dois homens por vezes varavam noites conversando, enquanto Aka ocupava-se bordando ou tecendo, ouvindo-os divagar. Gaicus em geral evitava tais conversas porque achava-as entediantes e acabava dormindo no meio do assunto. Por isso, cada vez mais amiúde ele viajava para Bedriacum, onde caía na farra com Methos, como nos velhos tempos, até que enfim mudou-se para lá, no intuito de também gerar uma nova identidade e voltar a Roma depois de algumas décadas.

Com o passar dos anos, Eksamat notou que Marconus estava interessando-se por Aka, apesar de nunca tocar no assunto e de ela aparentemente não lhe dedicar nada além de uma grande amizade. Ainda assim, Marconus de vez em quando distraía-se observando-a trabalhar em silêncio num canto do tablinum, e sempre tentava chamá-la à conversa perguntando sua opinião sobre este ou aquele tema. Eksamat não sabia se aquilo já vinha desde a época de Methos ou se tinha surgido agora que Aka estava novamente, para todos os efeitos, disponível. Ainda sofrendo no íntimo com a deserção de Methos, Aka permaneceu vários meses um tanto afastada do mundo, preferindo sair pouco de casa, e Eksamat duvidava que ela pudesse interessar-se por outro homem tão cedo. Contudo, apreciava a companhia de Titus e adoraria se acaso ele estivesse disposto a conquistar sua irmã.

Mesmo ainda evitando revelar seu passado distante, os irmãos contavam a Marconus detalhes que nunca confessaram a Methos, que sempre os manteve na defensiva com seus próprios segredos. Ao contrário dele, Marconus não fazia muitas perguntas e revelava praticamente tudo de si, parecendo, como os irmãos, apreciar a possibilidade de abrir a alma para outros de sua espécie. Titus Marconus era um homem honesto, leal aos amigos, responsável, inteligente, divertido, culto e ponderado. Como Imortal, já tinha cortado várias cabeças no passado, mas preferia a convivência pacífica e também tivera alguns discípulos de boa índole. Não era uma criatura de grandes ambições como Imhotep, que fez questão de deixar sua marca no mundo, e nem era um santo como Emrys, que vivia para salvar e amar o próximo, porém era um Imortal com um passado de que poderia se orgulhar e que sem dúvida teria um excelente futuro. Na opinião de Eksamat, Marconus seria um companheiro ideal para Aka, ainda mais depois do que ela passara recentemente, mas preferiu deixar que os fatos seguissem seu curso normal. Ainda estava arrependido pelo que fizera à irmã e a Methos, praticamente forçando-os a casar sem ao menos conhecerem-se direito, e decidiu não interferir mais na vida de ninguém, mesmo porque não tinha certeza do que ia no coração do amigo. O que quer que Marconus sentisse, pelo jeito resolvera guardar apenas para si.

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Roma e Tarracina - Península Itálica - 176 a 174 a.C.

Mesmo morando sempre de favor na casa dos outros em Roma, Marconus tinha seus próprios negócios e algumas propriedades espalhadas pela península, além de uma grande e rentável olaria na Sicília, gerenciada por um filho adotivo já idoso, que sabia de sua Imortalidade. Se Marconus não morava sozinho, era por pura preguiça. E quando ele sugeriu a Eksamat que comprasse uma casa de veraneio vizinha à sua em Tarracina (3), como uma forma de investimento, não imaginava que acabaria depois mudando-se para lá.

Tarracina era uma pequena cidade costeira normal, com seus armazéns, barcos de pesca e o fluxo constante de mercadores, mas também lucrava durante o verão, quando muitos patrícios abastados afluíam às suas praias, e Marconus fizera bons negócios antes, alugando sua propriedade aos turistas. Aka adorou as casas, a região, o cheiro de mar, a tranquilidade e, acima de tudo, a possibilidade de ausentar-se da capital. Antes, Methos sempre inventava desculpas para não levá-la junto nas viagens. Agora, ela tinha novamente liberdade para ir aonde quisesse, e Tarracina era o refúgio ideal para fugir da sujeira e do barulho de uma Roma que não parava de crescer.

Juntos, os três Imortais começaram a passar semanas e depois meses seguidos por lá, mesmo fora da temporada de maior movimento, distraindo-se em passeios, velejando junto à costa em barcos de recreio, nadando e até pescando. Quando anoitecia ou chovia, os três permaneciam dentro de casa lendo uns para os outros em voz alta, conversando ou inventando brincadeiras. Eksamat às vezes tocava lira ou alaúde para que Marconus e Aka cantassem, meio desafinados é verdade, ou então os três encenavam trechos de conhecidas peças de teatro, que invariavelmente acabavam em piadas e risos. Aka exigia ausentar-se de Roma com uma frequência cada vez maior, até que finalmente eles mudaram-se definitivamente para suas casas em Tarracina.

E Marconus estava mesmo interessado em Aka, apesar de fazer de tudo para não demonstrá-lo. Tinha se apaixonado sem querer, durante a confusão da fuga de Methos - ficara admirado com a força e a lealdade dela ao ajudar o ex-marido, e reconheceu que ali havia uma mulher interessante que nunca tivera chance de conhecer direito. Durante o ano em que Eksamat permanecera no norte, Marconus estreitou os laços de amizade com Aka e, quando foi morar na mesma casa que ela, acabou definitivamente enamorado. Mesmo sabendo que Aka ainda sofria por Methos, imaginava que, quando o trauma passasse, talvez ela lhe desse uma chance, e resolvera esperar pacientemente a hora certa.

Quando ainda moravam na capital, com a intenção de atrair a atenção da amada, Marconus treinava técnicas de combate com Eksamat, convidando Aka a juntar-se a eles sempre que possível. Os rapazes duelavam como gladiadores e Aka adorava vê-los engalfinhando-se pelos jardins, alegres, porém tinha medo do que os escravos poderiam falar e só participava dos treinos em Tarracina, quando podia ficar sozinha com eles na praia ou em algum bosque afastado da cidade. E Aka duelava de igual para igual com os dois, surpreendendo Marconus com sua rapidez e agilidade.

Conhecendo a capacidade da irmã, Eksamat ria do espanto do amigo, que dizia nunca ter enfrentado uma mulher Imortal antes e tinha certos pudores em atacar Aka. Ela enfurecia-se ao perceber que ele a poupava e provocava-o até vê-lo reagir com vontade. O fato de Marconus usar algumas técnicas mais brutais, típicas das arenas romanas, estimulava-a a aprender seus golpes e a defender-se deles a despeito de seu tamanho e sua força inferiores. O combate a três também era ótimo para Aka, já que desde a morte de Imhotep ela só podia treinar para valer com Eksamat. Contra os dois ela nem sempre levava a melhor, mas desenvolveu rapidamente suas habilidades com novas armas, como machados, correntes e maças. Mesmo tendo de início algum preconceito, Marconus aprendeu a respeitá-la como oponente e isso só serviu para aumentar a atração que sentia por ela.

Foi também por amor que Titus Marconus enfim revelou seu talento para a pintura, e passou horas agradáveis desenhando os irmãos em casa ou nos mais diversos cenários de Tarracina. Aka insistiu para que ele depois copiasse seus belos esboços em enormes afrescos nas paredes das duas casas, inclusive ajudando-o a preparar as tintas e observando-o trabalhar com orgulho. Marconus vivia mais na casa dela do que na sua e caprichava na pintura só para ver a admiração de Aka por seu trabalho. Eksamat também ajudava-o de vez em quando, mas seu passatempo favorito era sair de barco sozinho, relembrando seus séculos como capitão de navio. De vez em quando ele fazia viagens curtas a cidades vizinhas, onde arrumou amantes, voltando bronzeado e feliz, porém nada levava a crer que Eksamat voltaria a casar-se.

Raramente Peter Gaicus aparecia para visitá-los, pois achava a vida deles em Tarracina muito pacata. Aka evitava ficar por perto quando Gaicus desandava a contar as aventuras do norte para não ouvir falar de Methos. Não tinha raiva do ex-marido, afinal o casamento tinha sido um fracasso apesar da paixão e era óbvio que um dia os dois teriam que afastar-se. O que ainda deixava-a chateada era que ele nunca mais a procurou, apenas mandava cartas esporádicas, quase sempre endereçadas a Eksamat, para garantir-lhes que estava prosperando em Bedriacum e informar-se se ela estava bem. Nem uma palavra de saudade, nem uma demonstração de sentimentalismo, apenas formalidade. Essa aparente indiferença de Methos fazia-a sentir-se como um episódio insignificante na vida dele, e foi necessário um bom tempo para apagar as lembranças tristes.

Gaicus nunca se deu conta dessa cisma, porém Marconus reparou e passou anos imaginando quando ela finalmente se livraria do fantasma de Methos. Eksamat notava o dilema do amigo e lutava consigo mesmo para não tocar no assunto. Quando Aka percebia que o irmão estava escondendo-lhe algo, Eksamat inventava pretextos para sair velejando ou viajava sozinho para os vinhedos ao sul, a fim de conferir seus negócios. Mesmo sabendo que Aka não acreditava em suas desculpas e irritava-se com suas fugas, Eksamat imaginava que assim Marconus acabaria tomando coragem para declarar-se a Aka e torcia para um dia, ao regressar, finalmente encontrá-los namorando.

Sem perceber, Aka aos poucos também interessou-se por Marconus. A presença constante e tranquila dele era-lhe agradável e ela admirava seu talento como pintor, seu bom-humor, sua inteligência e experiência de luta. Marconus tinha-lhe passado praticamente despercebido como homem no início e só convivendo com ele todos os dias foi que descobriu-o como indivíduo e não um apêndice do ex-marido que sobrara em sua vida. Aka reconhecia que nunca tivera uma intimidade mental verdadeira com Methos, como tivera com Imhotep. Obviamente ela e Methos conversavam bastante e concordavam na maioria dos assuntos, mas eram conversas superficiais, não sobre seus passados, seus sonhos para o futuro ou suas desilusões com a vida eterna. Em contrapartida, era fácil para ela abrir-se com Marconus. Até suas conversas sobre o cotidiano eram profundas e filosóficas, e Aka mais de uma vez tinha admirado secretamente a bela compleição física do amigo, vendo-o quase desnudo enquanto lutavam. Mesmo assim, não passou-lhe pela cabeça tentar alguma coisa, ainda mais porque ele ainda era muito amigo de Methos - soava-lhe impossível que Titus se interessasse por ela como mulher, ao menos enquanto a lembrança de seu ex-marido continuasse pairando sobre eles como uma sombra escura.

Com o passar dos anos a atração de Aka por Titus Marconus aumentou, só que ele sempre a respeitava tanto que ela não sabia como tomar qualquer iniciativa. Mais de uma vez ensaiara uma aproximação, mas tinha receio de ofendê-lo tomando liberdades exageradas e estragar a amizade. Pedir ajuda a Eksamat também estava fora de questão - tinha certeza de que o irmão já sabia o que estava acontecendo, porém ele sempre evitava falar de Marconus e Aka notou que desta vez teria que levar as coisas a seu modo. Contudo, já tinha feito insinuações e Marconus permanecera aparentemente inalterado, no máximo corando um pouco e disfarçando em seguida, deixando-a sem graça.

E, se dependesse de Marconus, talvez o romance nunca se efetivaria. Ele nunca foi do tipo impulsivo com as mulheres, como Gaicus ou Methos, nem um namorador como Eksamat. Inseguro, às vezes Marconus notava que Aka estava flertando com ele, mas tinha medo de estar entendendo tudo errado e fazia-se de bobo. Preferia isso do que dar um vexame e perdê-la de vez. Marconus já entendia Methos o suficiente para saber que ele não reagiria negativamente se soubesse que a ex-esposa estava de caso com um de seus melhores amigos, mesmo que no fundo talvez ficasse com ciúmes - quando Methos abandonava uma mulher, era definitivo. Mas e Aka, ela não se sentiria ultrajada se ele tentasse uma aproximação agora, após tantos anos de amizade aparentemente inocente? Pensando bem, eles ainda tinham a eternidade pela frente, o que custaria esperar um pouco mais até ter certeza de que ela estava mesmo interessada nele?

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Tarracina, Península Itálica - 173 a.C.

- Cansei, está muito quente hoje! - reclamou Eksamat, jogando-se de costas na grama, ofegante e com os cabelos úmidos grudados no rosto - O sol está insuportável!

A poucos passos de onde ele estava estirado, Aka e Marconus encaravam-se em silêncio. Cada um portava um escudo de bronze circular e um gládio, além de protetores de couro nos braços, no peito e nas pernas. Livrando-se das próprias armas, Eksamat ergueu-se nos cotovelos e ficou observando-os. Com o cabelo preso numa trança desgrenhada, Aka já tinha diversos arranhões com sangue pelo corpo, mas continuava firme e decidida. Rodeando-a com cautela, Marconus também apresentava alguns pequenos cortes e até rasgos na túnica, porém parecia cansado e seus movimentos estavam ficando mais lentos. A tática de Aka era manter-se na defensiva, esperando-o atacar para desviar e fugir, e Marconus, sendo maior e mais pesado, acabava perdendo o fôlego depressa. Depois de uma nova e fracassada tentativa de atingi-la, Marconus também entregou os pontos e caiu na grama ao lado do amigo, deixando que Aka cantasse sua vitória.

- Essa pestinha é terrível! - comentou Marconus, aceitando o cantil de couro com água que Eksamat lhe ofereceu - Com quem ela aprendeu essas coisas? É frustrante, ainda mais nesse calor! Eu me sinto caçando um frango selvagem num matagal, debaixo de chuva... E ela ainda debocha!

- Quem quer duelar comigo com adagas? - perguntou Aka, aproximando-se e largando o escudo e o gládio ao lado deles - Algum dos dois ainda aguenta outra luta?

- Eu vou para casa tomar um banho! - decidiu Eksamat, espreguiçando-se - Estou cansado e com calor, talvez ainda dê um mergulho no mar antes... Fiquem e divirtam-se!

- Tudo bem, vamos tentar as adagas! - aceitou Marconus, diante do olhar desafiador de Aka - Se achas que podes vencer-me desta vez, verás que ainda tenho muito fôlego!

Eksamat recolheu suas coisas e retornou sozinho para a cidade, enquanto Aka sorria e fitava Marconus nos olhos, esperando que ele fizesse o primeiro movimento. Na luta com adagas ele levava a melhor quando conseguia engalfinhar-se com ela, jogando com seu peso e sua força, porém o difícil era aproximar-se o suficiente para atracar-se com Aka. E ela adorava lutar com ele com adagas, pois sabia que Marconus uma hora ou outra tentaria agarrá-la. Imaginava que um dia ele enfim a tomaria nos braços impulsivamente e a beijaria com paixão... Sonhos bobos de adolescente apaixonada, Aka sabia, e na idade dela isso parecia até ridículo, mas continuava esperando em vão que ele desse o primeiro passo para conquistá-la.

Após alguns ataques frustrados, Marconus avançou com uma sequência rápida de golpes, forçando-a a recuar. Sem perceber onde pisava, Aka escorregou no odre de água perdido na grama e caiu de costas bem no momento em que Marconus dava um novo bote. Tropeçando nela, Marconus caiu também e por pouco não atingiu-a em cheio no peito com a adaga.

- Perdão! - pediu ele, branco de susto, estatelado por cima dela - Machuquei-te?

- A culpa foi minha... - Aka fez uma careta - Tropecei em alguma coisa... Mas estou bem!

Marconus rolou rapidamente para o lado. Ainda deitada de costas, Aka ficou de olhos fechados por um minuto, limpando o suor da testa com as mãos. Sentir a respiração ofengante de Marconus junto a seu rosto, mesmo que por acidente, tinha deixado-a zonza. Após alguns instantes, abriu os olhos e viu que ele fitava-a com admiração escancarada. Pego em flagrante, Marconus desviou o olhar e corou violentamente. Erguendo-se, ele começou a recolher suas armas em silêncio. Também sem dizer uma palavra, Aka espiava-o de rabo de olho, retirando os protetores de couro e guardando-os num saco de estopa. Devia ter feito alguma coisa quando ele estava tão perto, qualquer coisa! Por que ele nunca tomava a iniciativa? Aquilo era irritante! Se ele ao menos abrisse uma brecha...

- Não gosto quando ficas assim tão quieto! - provocou ela, enfiando o vestido por sobre a túnica curta de homem.

Marconus encarou-a por alguns instantes, tentando encontrar palavras para confessar seus sentimentos, mas pela milésima vez não conseguiu. A forma como ele desviou o olhar novamente, ruborizado, fizeram o coração de Aka disparar. Seu estômago contraiu-se dolorosamente, na expectativa, mas Marconus virou-se e começou a caminhar sozinho para a cidade. Aka sentiu uma angústia enorme pela oportunidade perdida e correu estabanadamente atrás dele com sua sacola. Não suportava mais aquele suspense, tinha pesadelos até, e se não tomasse uma atitude acabaria enlouquecendo! Ia ser hoje ou nunca!

- Espera, Titus! - pediu timidamente ao alcançá-lo, puxando-o pelo cotovelo - Queria conversar contigo!

- Vamos para casa! - pediu Marconus, arrepiado com as emoções tumultuadas que via no rosto dela - Já está ficando tarde, Eksamat acabará...

- Titus, eu queria... - Aka sentia-se a ponto de gritar, mas não encontrava as palavras certas - Diabos! Há muito tempo queria dizer-te que eu... Titus, é tão difícil para mim!

- Aka, por favor! - Marconus sentiu o que estava por vir e teve medo - Depois vais arrepender-te do que disseres e... E eu...

Marconus não acreditou no que estava acontecendo quando ela pulou em seu pescoço, erguendo-se na ponta dos pés para beijá-lo. Aka tremia inteira, porém não afastou-se quando ele tentou empurrá-la gentilmente, ainda cheio de receios. Para Marconus parecia que, após tanto tempo de espera infrutífera, tudo estivesse acontecendo depressa demais, e temia que um dos dois acabasse magoado. Tinha imaginado esse momento de forma tão diferente!

- Não é certo! - murmurou ele, ofegante, tentando reagir - Não quero estragar tudo...

Mas Aka agarrou-se firmemente a ele, com aquela força que sempre o surpreendia, e Marconus não pôde mais resistir, abraçando-a e beijando-a com paixão. Logo derrubou-a na grama sem pensar no que fazia, arrancando-lhe as roupas em silêncio e amando-a com todo o fogo de anos e anos de espera. Quando caiu em si, Marconus sentiu-se culpado, imaginando que tinha passado dos limites. Quis fugir, mas Aka rolou sobre ele e prendeu-o ao chão, sussurrando:

- Não podes deixar-me agora, não depois disso tudo!

- Não devíamos ter ido tão longe, foi loucura...

- Titus, eu te amo! Esperei tanto que isso acontecesse, mas nunca me deste uma chance!

Aka fitava-o como se nunca o tivesse visto, parecendo que tentava decorar seu rosto. Marconus não entendia nada, sentia apenas que era feliz e, se o mundo tivesse acabado naquele momento, teria morrido com uma alegria imensa. Decidiu que, se um dia fosse necessário, daria a vida por aquela mulher sem pensar duas vezes, mesmo que ela não lhe pedisse isso. Como Methos fora idiota ao abandoná-la!

Depois de longos instantes admirando-se mutuamente, entre beijos apaixonados, Aka sentiu que era hora de sacudir o encanto e voltar ao mundo real:

- Não tens fome? Teremos carneiro hoje para o almoço!

- Eu acho que seria capaz de devorar um boi inteiro! - Marconus riu, beijando-a mais uma vez - Vamos antes que Eksamat venha procurar-nos e encontre-nos nesse estado!

Os dois vestiram-se às pressas e voltaram para a cidade abraçados, parando aqui e ali para um último beijo afogueado. Foi com cara de culpa que enfrentaram o olhar curioso que Eksamat lhes dirigiu, chegando da praia no mesmo momento que eles viravam a esquina da rua. Marconus foi tomar banho em sua própria casa, vermelho de vergonha. Eksamat nem precisou perguntar, era evidente o que havia acontecido - Aka ainda tinha grama no vestido e passou por ele na porta evitando encará-lo. Apesar de morrer de ansiedade por dentro, Eksamat esperou que a irmã também saísse do banho e sentasse com ele para comer. Só então propôs-lhe um inesperado brinde:

- À redescoberta da felicidade, e que desta vez ela seja eterna!

- Eu te amo, meu irmão! - Aka corou, pulando ao pescoço dele - Por que desta vez não me deste uma ajudinha?

- Já fiz uma asneira tremenda ao casar-te com Methos, não achei certo atrapalhar-te com Titus! - Eksamat beijou-a e abraçou-a com força - Mas confesso que ele já estava a irritar-me com seu silêncio... Não precisas contar-me o que houve, já percebi que estás radiante e isso é o que importa!

- Queria tanto que tu também pudesses encontrar alguém!

- Não me venhas com dramas, vais estragar o almoço! - Eksamat obrigou-a a sentar-se novamente - Vou fingir que não sei de nada até que ele comente algo comigo, porém desde já tens minha aprovação para fazeres o que quiseres!

- Ainda é cedo para fazer planos! - Aka suspirou - Vamos deixar como está, não quero estragar tudo!

Aka praticamente não comeu direito durante o almoço, comentando alegremente o quanto Titus a fazia feliz. Durante a tarde o próprio Marconus apareceu para visitá-los, no horário costumeiro, porém seu olhar apaixonado e seu sorriso constante para Aka quase custaram a seriedade de Eksamat, que torcia-se por dentro para fingir-se de distraído e não irromper em gargalhadas.

Ao final da noite, após um jantar a três em que Aka e Marconus não paravam de suspirar um pelo outro, Eksamat retirou-se cedo pretextando cansaço. Trancando ruidosamente a porta do quarto para que soubessem que ele não atrapalharia o que quer que os outros dois quisessem fazer, Eksamat permaneceu contudo de ouvido colado às paredes até perceber que a irmã também trancava a porta do próprio quarto. Só então estirou-se na cama e dormiu com um sorriso malicioso nos lábios.

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Na manhã seguinte ao início do namoro com Aka, Titus Marconus fez questão de anunciar a novidade a Eksamat, a fim de oficializar o relacionamento. Nem houve chance de tentar o contrário, pois Aka e Marconus perderam a hora de acordar e, quando saíram do quarto, deram de cara com Eksamat, que já tomava seu desjejum placidamente recostado num divã junto ao jardim.

- Ave, que o sol já vai alto! - saudou-os Eksamat ironicamente, oferecendo-lhes com um gesto amplo as frutas das bandejas na mesa à sua frente - E pelo visto teremos um belo dia hoje! Que tal um mergulho logo mais?

- Eksamat, não vou fazer-me de tolo porque também não o és! - disse Marconus, envergonhado - Sei que tens consciência do que está acontecendo entre eu e tua irmã, contudo gostaria de comunicar-te oficialmente o fato e pedir tua aprovação...

- Aka é livre, sensata e amadurecida o bastante para tomar suas decisões! - afirmou Eksamat, fingindo-se de sério em respeito ao constrangimento dos dois - Se ela escolheu-te entre qualquer outro homem, certamente sabe o que faz e reconhece teu valor. Longe de mim intrometer-me novamente na vida dela! Já vi que sou péssimo conselheiro, por isso aprovo qualquer decisão que minha irmã tomar. Eu já te apreciava como amigo, Titus, agora amo-te como irmão e fico feliz por finalmente ver-vos juntos!

Eksamat e Marconus abraçaram-se com carinho. Aka sentiu-se orgulhosa por enfim ter-se livrado do fantasma de Methos. Estava mais do que na hora de recomeçar a viver!

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Tarracina, Península Itálica - 166 a.C.

Os anos seguiram-se em rápida e feliz sucessão para os três, com Eksamat viajando constantemente por causa das amantes e dos negócios, e Aka e Marconus vivendo em alegre lua-de-mel. Os contatos com Bedriacum ainda continuavam, pois sentiam necessidade de saber o paradeiro de Methos e Gaicus como se eles fossem parentes, a outra parte da exótica família Imortal que haviam formado em Roma.

Foi através de cartas que informaram aos amigos no norte sobre o inesperado encontro de Eksamat com uma Imortal desconhecida, quando retornava de uma viagem aos vinhedos do sul.

- Encontrei outro de nós em Sinuessa (4), uma mulher! - despejou ele assim que chegou - Não sei quem era, apenas senti-a e em seguida a vi passar por uma rua próxima. Ela estava nervosa, parecia fugir de alguém... Fui atrás para saber de quem se tratava, mas a danada de repente pulou sobre mim! Fiquei furioso e lutei, é lógico, mas aí ela olhou-me direito, disse algo estranho sobre eu não ser quem ela procurava, e saiu correndo!

- Acalma-te e senta, Eksamat! - pediu Marconus - Que mulher é essa? E como assim, não eras quem ela procurava?

- Afinal, ela procurava alguém ou estava fugindo? - questionou Aka, pálida - Quem ela pensou que fosses?

- Ela parecia fugir mas depois disse isso, falou claramente que eu não era quem ela procurava! - Eksamat também estava confuso - Era noite e não havia mais nenhum de nós por perto, ao menos não naquela área! Eu senti medo nela, mas ao mesmo tempo senti muito ódio... Ela me assustou quando me atacou, eu queria ajudá-la e não lutar! Só sei que não tive coragem de segui-la novamente e nem vi para onde ela foi. Mesmo assim achei melhor voltar logo e avisar-vos!

- Fizeste bem, pode ser que quem a estivesse perseguindo, ou que ela perseguisse, viesse para estas bandas! - afirmou Marconus - Sentiste alguém mais pelo caminho durante tua viagem, na ida ou na volta?

- Não, sempre passo por Sinuessa quando vou ao sul e nunca encontrei ninguém, tu mesmo já foste comigo mais de uma vez e conheces o caminho. Já ouviste falar de outros de nós naquela região? Talvez algum que viva nas fazendas, longe das cidades?

- Nunca, realmente é curioso! - Marconus pôs-se a pensar - Deve haver, já que tu encontraste essa mulher e ela pelo visto sabia de mais alguém... Ela era romana?

- Não posso afirmar... Ela falou em latim e vestia-se como plebéia, contudo não era escrava. Se fosse não poderia andar sozinha à noite com aqueles trajes, ainda mais armada!

- Talvez fosse uma prostituta! - sugeriu Aka, apesar de detestar pensar mal de outra mulher - Quem sabe estivesse fugindo de algum cliente?

- Ou talvez ela tenha desembarcado de algum navio! - lembrou Marconus - Pode até ser que tenha saído da cidade por mar... Que mulher misteriosa foste arranjar, meu caro!

- Ah, Marconus, ela era maravilhosa, com olhos azuis enormes! - Eksamat soltou um suspiro e não disfarçou um sorriso - Pena que não sei nem seu nome nem pude ajudá-la... Ainda bem que ela fugiu, eu odiaria ter que matá-la se ela continuasse me enfrentando!

- E eu morreria se tu tivesses perdido a cabeça por correres atrás de uma saia! - Aka enfureceu-se - Devias estar louco ao perseguir uma Imortal estranha por becos escuros!

- Acalma-te, eu sei defender-me! - Eksamat riu - Ela pode ter atingido meu coração com aqueles olhos de fera, mas eu jamais permitiria que ela fosse além disso! Ela era boa com a espada, mas parecia sem treino e não seria difícil vencê-la se fosse o caso. E eu estava curioso, nunca vi outra mulher Imortal além de ti!

- Será que ela procura alguém que conhecemos? - Marconus arregalou os olhos ao pensar na hipótese - Methos e Gaicus estão juntos em Bedriacum, talvez seja melhor avisá-los! Pedirei que nos alertem caso saibam de outros Imortais, é sempre bom ficarmos atentos a possíveis ameaças!

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Tarracina, Península Itálica - 161 a.C.

- Acaba de chegar uma carta de Gaicus, de Bedriacum! - Marconus entrou acenando com um pergaminho aberto nas mãos - Diz que um Imortal andou rodeando a cidade, mas não aproximou-se e acabou partindo após uma semana. Eles nem sabem quem era!

- Será que foi aquela maluca que meu irmão viu há alguns anos? - Aka largou o bordado numa cesta junto ao divã e espreguiçou-se - Eles não procuraram para ver de quem se tratava?

- Duvido que procurassem, Gaicus não tem mais paciência para isso e Methos provavelmente fechou-se em casa como se a peste estivesse à porta! - Marconus riu com gosto - Aquele enfia-se debaixo da cama para fugir a um duelo, tu não tens idéia de como ele ama a própria cabeça! Deve ter sido alguém atrás de Gaicus que desistiu quando sentiu Methos por perto também...

- Ou talvez fosse apenas alguém de passagem pela região! - Aka sorriu maliciosamente e fez um gesto insinuante para que Marconus sentasse a seu lado - Se a criatura foi embora sem mostrar-se, então não há o que temer por enquanto. Hoje o dia está lindo, não achas?

- Eksamat volta hoje? - murmurou Marconus, atirando a carta de Gaicus para o alto - Ou será que vai passar a noite com aquela namorada nova daquela vila... Como é mesmo o nome do lugar?

- Não sei... - Aka puxou-o para si com um sorriso cheio de promessas - E quem se importa com o nome da maldita vila?

- Que vila? - Marconus soltou as presilhas do penteado dela com um ar falsamente distraído - Eu falei em vila?

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Notas explicativas:

1 - Marcus Aemilius Lepidus foi censor do patriciado da República Romana entre 179 e 174 a.C.

2 - Marcus Fulvius Nobilior foi censor da plebe da República Romana entre 179 e 174 a.C.

3 - Tarracina é o nome original de uma cidade bastante antiga, sendo sua fundação creditada por alguns estudiosos a povos de origem indoeuropéia e por outros aos etruscos. Acredita-se que foi depois chamada pelos volscos de Anxur e rebatizada novamente pelos latinos de Tarracina (ou Terracina, como é chamada atualmente) em 329 a.C., quando recebeu o status oficial de "colônia marítima do povo romano". Tarracina foi ligada a Roma pela famosa Via Appia.

4 - Sinuessa foi uma colônia Romana fundada em 295 a.C. na região da Campânia e era ligada a Tarracina e Roma, ao norte, pela Via Appia.
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