Apresento aqui um pouco de Ficção Científica. Conto no qual um aluno de eletrônica tem sua vida salva por um instrumento de medição do seu laboratório. - ECP

Uma mensagem oscilante

Por ECP

         Três alunos de eletrônica discutiam à respeito da montagem de um circuito de telecomunicações que começava a apresentar complicações. Era a última das dez aulas do dia e todos os alunos demonstravam pouca disposição para a prática. Habitualmente, o professor, um velho de mais de setenta anos preocupava-se mais com suas leituras e experimentos a ensinar aos alunos. E neste dia em específico, ele com uma aparência mais velha e carrancuda do que em todo o ano, não parecia querer ministrar a aula.
         O Laboratório também não contribuía para o ânimo de ninguém. Ao contrário das outras salas, esta era tremendamente quente, passando a impressão que diversos aparelhos elétricos estavam ligados e dissipavam potência na forma de calor nas paredes e móveis da sala.
         Na verdade o laboratório mais parecia um depósito de sucatas eletro-eletrônicas. Ao fundo havia diversos tipos de antenas, pára-raios, fontes de tensão, rádios muito antigos e vários tipos de bobinas e bancos de capacitores. Tudo amontoado e repleto de poeira sobre grandes caixas ou em prateleiras coladas às paredes. Espalhados pelo chão, ainda via-se pilhas de livros antigos de eletricidade o que tornava impossível transitar entre esses equipamentos.
         Na frente desta bagunça, havia quatro bancadas para três alunos. Apesar de conterem todos os instrumentos eletrônicos necessários para a prática, estes eram demasiadamente ultrapassados em comparação com os aparelhos do outro laboratório de telecomunicações, onde a outra parte da turma freqüentava às aulas. Os osciloscópios, em particular, pareciam que foram montados ou recuperados no próprio colégio de maneira bem artesanal.
         Ao lado da mesa da frente, o professor remexia em um aparelho elétrico construído dentro de um armário. Tratava-se de um novo tipo de fonte de tensão, experimento o qual o professor dedicara vários anos e ninguém mais na instituição dava qualquer tipo de crédito. Com as portas do armário abertas, o aparelho tinha uma aparência muito estranha, como se tivesse vindo de um filme trash. Uma grande bobina vertical consistia o tronco do aparelho, embaixo havia grandes bancos de capacitores, uma grande esfera metálica de cobre ficava no topo da bobina, centímetros acima do professor e muito maior que qualquer cabeça humana. Além de uma enorme quantidade de cabos, chaves facas e outros dispositivos eletrônicos no aparelho, uma haste de dois metros saia por trás do armário e atravessava a janela num ângulo quase reto formando uma espécie de antena com uma pequena esfera na ponta.
         Um emaranhado de fios tomava conta da segunda bancada da direita aonde Mateus, João e Lucas realizavam a montagem. Certamente um trabalho difícil para estes jovens alunos, que apesar de conhecerem bem a teoria viam as enormes diferenças da prática.

         Os problemas de funcionamento do circuito já eram muitos quando Lucas pergunta assustado:
Vocês viram aquilo no osciloscópio ?
         – O que?? – Pergunta João – Só sei que ele está todo desregulado.
         – Parecia uma mensagem, algumas letras.
         Mateus ri, tentando controlar os risos, afim de não chamar a atenção de ninguém mais na sala.
         – Não me venha com essas bobagens de novo!! – João fala seriamente.
         – É sério!! Vi letras no osciloscópio!!
         Mateus continua tentando controlar os risos.
         – Toda vez é isso! Você bebe essas cervejas, vem para a aula e fica aqui fazendo gracinhas!! – João fala já visivelmente nervoso. – Temos que acabar isto hoje.
         – É mesmo! – Responde Mateus, voltando à realidade da experiência.
         – Mas vocês não estão vendo? Olhe, parece a letra "P". – Continuava Lucas.
         Realmente a tela do antigo osciloscópio não ajudava. Os dois canais aplicados, variavam incessantemente e mais de cinco linhas alternadas eram visíveis na tela, como se as duas entradas estivessem com interferências sérias. Para piorar a situação, ocorriam grandes quedas de tensão no laboratório, fazendo a luz piscar e enfraquecer, o que dava uma sensação muito desagradável comum em ambientes mal iluminados.

         – Este osciloscópio não para de tremer! – João reclama.
         – Já tentei ajustar o Trigger e nada. – Justifica Mateus. – Esse osciloscópio é complicado de trabalhar. Completamente fora dos padrões...
         – Agora são as letras "R", "G" e "O"!!! Vocês viram, não é possível!
         – Não! Não vi! – Responde João em voz alta.
         – Acho que ele não reproduz bem as altas freqüências que estamos trabalhando. E nenhum de nós sabe mexer direito nesse gerador de ondas. Não tenho certeza se o sinal de entrada está correto.
Qualquer verificação no circuito tomava muito tempo uma vez que vários aparelhos estavam sendo usados e não havia qualquer tipo de organização na montagem.
          – Olha as letras "E", "S" e "L"!!! – Continua Lucas.
          – Já estou perdendo a paciência...
          – Agora é sério, pare de falar de letras e mensagens, Lucas. Estamos muito atrasados. – Diz Mateus.
          – Mas...
          Mateus interrompe seu colega e diz que irá consultar o professor. João responde aborrecido:
– Ele só entende de válvulas. Tem mais de 70 anos!!
          – Sei lá... Ele sabe muita matemática e eletricidade teórica. - Lucas defende o professor. – Outro dia ele lia cópias das obras de Maxwell...
          – Mesmo assim ele não é um bom professor.
          – É... Também não gosto muito dele. – Concorda Lucas.
          Ele poderia ser detentor de um vasto conhecimento, mas não ensinava bem. Explicava rapidamente as montagens e numa linguagem muito erudita até mesmo para um engenheiro pós-graduado. Além disso, ele raramente prestava qualquer tipo de auxílio aos alunos.

           Mateus não interrompe o professor imediatamente, visto que ele encontrava-se muito concentrado remexendo nos circuitos do aparelho. A destreza do homem era tal que ele trabalhava com o circuito ligado com muita tranqüilidade. Ainda alternava apressadamente entre remexer no circuito, consultar livros na mesa ao lado e fazer cálculos rápidos no quadro negro à frente.
           Mateus olha curiosamente para as duas páginas abertas do livro sobre a mesa. Em inglês, o texto fazia referência a Nicola Tesla. Além do texto ser incompreensível, a página possuía inúmeras equações complexas, diagramas de fase e desenhos de formas de ondas bizarras.
           Mateus interrompe o professor e expõe-lhe os problemas. O professor não lhe dá nem trinta segundos de atenção e mostra-se visivelmente preocupado. Ainda sim, sem descolar os olhos do aparelho, sugere-lhe que troque os cabos por cabos menores e que afaste o transformador usado na experiência dos demais aparelhos da bancada.

           – Olha as letras de novo. Aquilo era um "O" e "M" ! – Lucas continuava falando.
           – Pare de viajar! Sabe muito bem que o osciloscópio só representa funções!!!
           – Mas têm muitas linhas nesta tela, enxergo as letras sobrepondo as linhas...
           Mateus volta da mesa do professor recomendando:
           – Primeiro vamos trocar os cabos do osciloscópio...

            Enquanto Mateus e João trocavam os cabos, Lucas falava das letras e de uma possível mensagem vinda do osciloscópio.
            Quando estavam prestes a recomeçar a prática, Lucas simplesmente diz que não está passando bem e vai deixar a aula. João reclama e xinga-o por deixar todo o serviço para ele e Mateus. Este, por sua vez, está mais compenetrado no circuito e não se importa muito, uma vez que Lucas já não contribuía para o desenvolvimento da prática.
            O professor permite a saída de Lucas, o que raramente fazia. Exatamente nesta hora, seu rosto carregava uma mistura de preocupação e raiva, mas ainda sim sorri para Lucas, quando este antes de deixar a sala vira o rosto para a turma.
            Na travessia do longo corredor, pensa em como um homem de mais de 75 anos ainda ministrava aulas naquela instituição e repara na fria temperatura do corredor em contraste com o grande calor que a sala se encontrava. Só ai conclui que o aparelho do professor que fornecia energia elétrica enquanto realizavam a prática.

            Neste exato momento uma onda eletro-magnética de enormes proporções vinda de qualquer lugar do planeta é captada pelo aparelho. Como previsto, a energia volta a ser matéria e elétrons espontaneamente são criados. Mas o aparelho ligado somente ao laboratório não suporta a enorme corrente elétrica...

            Após sair do prédio Lucas escuta um barulho de uma grande explosão, sente suas pernas ressonarem com uma rápida vibração do solo. Lucas vira-se e vê uma fumaça escura saindo por cima do prédio escolar. Ao seu pé, a haste metálica que servia como antena do aparelho cai do céu um pouco chamuscada... FIM

"todo o aparato para iluminar as habitações de uma região média, não conterá nenhuma peça motriz qualquer que seja, e poderia ser prontamente carregado em uma pequena valise." --- N. Tesla

 

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