Uma Escada Para o Céu e Para o Inferno


Santa Cecília, Espanha; presente

Juan estava correndo novamente. Seus pés descalços tocavam o solo: pedras pontiagudas e quentes de sol, apesar do profundo breu que via-se estender no horizonte. O ar parecia espesso e a cada respiração seus pulmões ardiam mais. Sua boca estava seca assim como o ar. Passava a língua em torno dos lábios para que estes umedecessem, mas sua própria saliva se extinguira. Os músculos estremeciam a cada passo, fazendo crescer a enorme fadiga. Se olhasse para os lados viria que estava correndo como que numa ponte de rocha sobre um abismo, que beijava o nada; mas só tinha olhos para o que via a sua frente: Anne. Parada no final do caminho, em um esvoaçante vestido branco e com os braços semi-abertos. Só agora percebeu que deixava um rastro de sangue. Seus pés sangravam abundantemente, mas não importava, afinal nada estava perdido. Ela estava lá e ficariam juntos. Agora sim: eternamente. Nada os deteria.

Viu o corpo de sua amada começar a subir no ar. E atrás dela uma gigantesca mão espalmada, na qual ela estava magneticamente presa. Só percebeu depois de quem era a mão. Viu sua face com a bandana preta cobrindo os cabelos loiros. A camisa preta com uma caveira ensangüentada: Assassino! Maldito! Deixa-nos em paz. Ele gargalhou e sua face transformou-se na de um demônio. Os dentes pontiagudos apareceram. Outra gargalhada o acompanhava: a caveira ensangüentada estampada na camisa ria também. Reparou que as poucas estrelas que ainda restavam no céu começaram a cair. Sua grande língua regada a uma gosma verde resvalava pela face, tornando aquela visão ainda mais asquerosa.

Sua mão começou a se fechar.

Ele implorava: "Deixa-nos! Deixa-nos em paz" Cada segundo, um movimento de milímetros selava-a ainda mais. O rapaz já não sentia seu corpo. Só corria. Em resposta a incomensurável mão fechou-se definitivamente. O sangue escorria pelos dedos. Um grito correu pelo ar.

Viu-se cair. Seus joelhos agora também sangravam. O demônio riu-se e com um súbito movimento a mão se abriu e o corpo destroçado de Anne veio rapidamente ao chão. A voz onipresente interrompeu a gargalhada e disse:

- Olhe seu fracasso. Não fez nada e nunca poderá fazer. Você a condenou!

- Não! Não!

Num espasmo seu corpo contraiu-se para frente. Suava e arfava abundantemente. Uma forte luz feriu-lhe os olhos. Assim que eles acostumaram-se à claridade, encontraram os de outro homem, que estava sentado à sua frente com uma xícara nas mãos. Mais adiante, uma janela irradiava a luz do sol.

 

O NOVO ALVORECER
Uma Escada Para o Céu e Para o Inferno

Os olhos de Juan continuaram a mover-se pelo simples quarto. Um velho papel de parede estampado cobria as paredes. Um pequeno guarda-roupa, uma televisão que estava sobre uma mesa no canto do quarto, uma portinhola levava até o banheiro e outra provavelmente para fora ou para outros cômodos. Pela janela percebeu que estavam em um prédio, num andar baixo. Era um apartamento, tinha concluído, quando viu que nos lençóis e fronhas das duas camas, estas colocadas exatamente uma ao lado da outra, havia uma pequena marca: "Estalagem do Caminho". Estavam no pequeno hotel que era localizado na saída da cidade. Só então mirou novamente o homem que estava com ele. Num sobressalto percebeu a bandana preta em seus cabelos. O pesadelo assombrou-lhe novamente. Aquela cena terrível, os dois assassinos. Sentiu, em seu coração apertado no peito, que ia chorar. Então uma voz célere interrompeu seus pensamentos, ele lhe estendia a xícara.

- Quer café?

Juan fez um sinal negativo com a cabeça. Apertou as mãos contra a face, como se fizesse força para acordar de tudo aquilo. Deixou que o ar vazasse dos pulmões e depois perguntou:

- Que horas são?

- Dormiu bastante. Já são mais de quatro horas da tarde.

- Você toma café às quatro da tarde?

Enrique sorriu. Mas foi um sorriso supérfluo. Só conseguia pensar em como a cabeça do garoto devia estar. Mas ele reagia bem. Provavelmente estaria tentando não pensar no que havia ocorrido, como se, não pensando, a dor não poderia atingi-lo. De certo modo isso era bom.

Ele estava certo. Juan procurava mínimos detalhes no papel de parede, alguma falha na madeira da cama ou qualquer outra coisa que mantivesse sua cabeça dispersa. Percebeu que estava com outra roupa. Esta era limpa e amarrotada.

Enrique, adivinhando seus pensamentos pelo olhar, respondeu:

- Eu o troquei. Você precisava dormir e, se chegasse com aquelas roupas ensangüentadas, iria causar um tumulto aqui. É melhor permanecermos incógnitos.

Juan levantou-se. Apesar das circunstâncias em que havia adormecido e dos pesadelos que haviam habitado sua mente, sentia o corpo extremamente relaxado. Olhou novamente a bandana. Ao perceber que ele estava incomodado, Enrique retirou-a, revelando os cabelos castanho-escuros bem cuidados que caíam até a altura do ombro. Era nítida a tentativa de tentar estabelecer uma conversa:

- Tem fome?

Recebeu um sinal negativo. Num impulso o garoto sentou-se novamente, colocou as mãos sobre o rosto, respirou profundamente e lançou-lhe um olhar suplicante de dúvida. Finalmente queria encarar os fatos.

- Estou morto?

- Não. Está mais vivo do que nunca esteve antes. Precisamos ter uma longa conversa... Sobre sua condição atual. Sobre o que você é agora.

Repentinamente Enrique quebrou a xícara na beira da cama. Não houve nenhum sinal de raiva ou qualquer sentimento bruto, ao contrário, fizera com uma serenidade incrível. Certificou-se que o garoto estava olhando e então fez um grande corte em seu antebraço esquerdo com um caco de vidro da xícara. Por alguns segundos o corte esguichou sangue e parou misteriosamente. Enrique passou a mão pelo braço, limpando o sangue e deixando Juan estupefato. Não havia mais nada lá. Nada além do sangue que já havia vazado. O garoto estava boquiaberto. Tentou falar algo, mas não conseguiu dizer nada além de uma exclamação infantil.

Seis horas atrás

Sua presença na sala era imponente. E seu parceiro sabia o quanto. Tanto que quando ela fez menção em falar, todos involuntariamente olharam. Ela aproximou-se para sussurrar-lhe. Viu os olhos verdes e rápidos, como os de uma criança numa loja de brinquedo que olha rapidamente em todas as partes procurando o que por ventura poderia interessá-la, de seu parceiro, mirando os olhos castanho-claros dela. O rosto pontudo com o nariz levemente grande, o que não minimizava sua esplendorosa beleza, seus lábios grossos, moveram-se na direção dela e começaram a falar vagarosamente:

- Não te lembra algo?

Édina Ríos sorriu com um leve desdém proposital, provocando-o. Sua pele morena, seus cabelos loiros cortados impecavelmente abaixo das orelhas, sua característica sobrancelha esquerda subiu numa exclamação, e afinal toda sua delicada e alva face reagiram com o sorriso. Os lábios carnudos, pintados de um vermelho claro, moveram-se levemente para os lados e depois voltaram a contrair-se em sua rigorosa e rígida face. Eduardo Aldove, seu parceiro a quatro anos, respondeu sua risadinha com um largo sorriso e imitou-lhe a sobrancelha esquerda. Depois limpou a gota de suor que escorria-lhe da testa com as costas da mão. Estavam naquele necrotério há duas horas e não acharam nada de conclusivo. Somente o saco preto rasgado e sem nenhum corpo. O corpo da garota, Anne Largos, fora retirado da sala e colocado sob refrigeração. Não ajudaria em nada um corpo apodrecendo e outro desaparecido, um assassinato e uma suspeita de roubo de cadáver.

A voz de um policial soou atrás deles:

- Achei outra.

Os dois foram até a janela. Tinham mais algumas digitais. Já haviam encontrado outras dessas na mesa, no zíper e no saco em que o corpo da garota estava. Pareciam iguais.

- Desse jeito, acho que vai ser fácil. - Eduardo lançou um sugestivo olhar cínico. Então continuou - Não sei quanto a você, mas detesto quando o governo me acorda as seis da manhã para ir atrás de corpos que saem correndo após serem mortos.

Um dos policiais riu. Édina lançou um olhar de repreensão para seu parceiro. O detetive Júlio, da polícia local, entrou ruidosamente na sala. Seu corpo gordo estava besuntado de suor. Como a Espanha é quente nesse maldito verão! Júlio fez um olhar solene e começou:

- Acabo de voltar do laboratório. Adivinhem quem é nosso seqüestrador? - Fez uma pausa. Esperou até que todos olhassem para ele, abriu a face e continuou - Ele próprio. Todas as digitais batem com as de Juan González e os vestígios de terra encontrados no chão são do lugar onde o corpo dele foi encontrado.

Édina olhou para Aldove. Todos os policiais também queriam ouvir o que eles iriam falar. Comportamento claro, afinal, não era todo dia que "gente do governo" era designada para ir até Santa Cecília. Também não era todo dia que acontecia um duplo homicídio com o cadáver desaparecendo logo após. Édina viu que Eduardo fazia uma cara debochada. Estava esperando sua teoria.

- Bem, - ela começou - alguém matou esses dois. Provavelmente renderam-nos em algum ponto da cidade. Entraram com eles no carro que Juan González emprestou do pai adotivo, e levaram-nos até o ponto onde foram encontrados. Pelas marcas encontradas nas mãos da garota, presumo que foram amarrados, e lá executados. Provavelmente haviam dois assassinos, devido às marcas de sapatos deixadas no solo do lugar onde as vítimas foram encontradas. Se houve outro, ou outros cúmplices, eles não saíram do carro. Após matar os jovens, os criminosos saíram com o carro em direção contrária à original, o que as marcas de terra no asfalto comprovam. Então, provavelmente, lembraram que podiam ter deixado, ou tinham deixado, alguma prova no corpo do garoto, e vieram para o necrotério. Usavam luvas ou coisa do gênero, já que não deixaram digitais. Entraram pela janela, rasgaram o saco e, enquanto transportavam o corpo, sem querer deixaram que este tocasse a janela e os outros lugares pelos quais deixou suas digitais.

Era óbvio, porém brilhante. Todos ali presentes sentiram uma pequena pontada de inveja. Eduardo deu um belo sorriso. E fez um aceno com a cabeça, indicando a porta de saída.

Foram até o lado de fora e ficaram embaixo da janela que dava para a sala de necrópsias. Era uma janela alta, a cerca de dois metros do chão. Estavam em um pequeno corredor, ladeado por um muro um pouco mais alto que a janela. Fora isso era um corredor ao ar livre, cimentado, com uma torneira no final. Agora foi a vez dela lançar-lhe um olhar inquisitivo.

- Acho provável. Olhe aqui no muro. Mais marcas de terra. Ele também foi pulado. Para ser mais preciso, duas marcas. Quem pularia esse muro em duas passadas segurando um corpo?

- Alguém treinado, provavelmente jovem. Se fosse um assassino preparado seria fácil pular um muro deste. Ou mesmo se fossem alguns marginais, também não seria difícil pular por aqui.

- Mesmo assim você deduziu que foram dois matadores. Se assim fosse, um deles voltou sozinho e fez isso com o corpo de um garoto de dezoito anos, sem que ninguém percebesse. Marginais comuns não se preocupariam com provas. Isso não tem lógica. Por que um assassino experiente seqüestraria e mataria dois garotos só por causa do carro?

- Acha que quem realmente pulou...?

- Estava totalmente desesperado.

Ela ia falar novamente quando o detetive Júlio apareceu no final do corredor:

- Senhores...

- Sim, detetive? - ela prontamente respondeu.

- Tenho novidades. O carro foi encontrado abandonado a cerca de dez quilômetros da cidade. Intacto. - O detetive fez outra de suas pausas. Mas sua cara, agora vermelha, mostrava algo como pudor ou vergonha. - Tem mais um detalhe que acho que não falei pra vocês...

Tanto Júlio quanto Eduardo respiraram fundo. O policial continuou:

- Foi achado em um beco, ao lado de um carro incendiado, mais um corpo. Ele estava decapitado.

Se o detetive Júlio estivesse mais perto, ouviria o monossílabo que Eduardo sussurrou.

- Esqueceu de mais algum ínfimo detalhe? - Édina deixou escapar um leve tom de raiva.

- Vamos passear pela cidade.

Às vezes Édina detestava o humor negro do parceiro. Esse era um bom exemplo.

"Estalagem Do Caminho"

A face de Juan modificou-se totalmente. Lançou um olhar ferino e começou a cuspir palavras:

- Que brincadeira é essa? O que é que o senhor pretende com isso? Sinceramente agradeço por ceder-me um lugar pra dormir e essas roupas, mas tenho mais o que fazer do que ficar vendo truques de mágica para festas de aniversários. Se o senhor quiser algum dinheiro, procure-me em casa. Até mais!

Enrique ligou a televisão com o controle remoto. O som que ecoou pelo quarto foi o de um repórter, em meio a um tumulto, que cobria o assassinato de Juan González e Anne Largos. Anunciava um novo boletim da polícia. A autópsia acabara de ser feita e com ela descobriram que a moça, além de ter sido morta, fora também estuprada. E claro, o corpo do garoto havia desaparecido do necrotério. Noticiou também que dois agentes federais estavam na cidade a fim de investigar esse triste caso.

Juan deteve-se. Assistia à notícia trêmulo. Enrique abaixou a cabeça, não queria ver a cena, doía-lhe muito o sofrimento do garoto. Mas infelizmente aquele começo pareceu-lhe necessário. Começou novamente:

- Meu caro amigo. Não sei se percebe o teor da conversa, mas você está oficialmente morto. A não ser que queira passar um bom tempo explicando como não reagiu quando levaram-no para o necrotério, como não perceberam que você não estava morto, que seu coração tinha simplesmente parado e de repente você voltou correndo para os braços da família e da imprensa para velar o corpo da pobre Anne.

O garoto não resistiu. Simplesmente ajoelhou no chão. Chorava. Enrique se maldisse por dentro. Não era sua intenção ferir o garoto, de maneira alguma, só que às vezes era por demais impulsivo, falando muitas vezes sem medir intenções. Sentiu arrependimento pelas duras palavras. Foi até onde Juan estava ajoelhado e colocou a mão em seu ombro, num gesto quase paternal.

- Sei que gostava dela. Sei que gosta de sua família. Mas, a partir de agora, o que você fará, será para seu próprio bem e de seus conhecidos. Você é diferente. Diferente das outras pessoas. E o que aconteceu com você é a primeira das transformações que ocorrerão em toda sua vida. Uma difícil vida. Mas para que ela seja longa, preciso que você confie em mim.

Vagarosamente, Juan parou de chorar, passando para alguns largos soluços. Depois, seguindo a sugestão de Enrique, foi tomar um reconfortante e longo banho enquanto esse pedia que lhes levassem o jantar.

Quando Juan saiu do banho, a pequena mesa estava arrumada. Enrique levantou-se e fez-lhe sinal para que sentasse. Começaram então a comer.

- Vou sair à noite - Enrique começou.

Juan soltou uma certa indagação com um monossílabo. Estava introspectivo.

- Já disse o que eu tenho para oferecer-lhe: a verdade. Se você a quiser, partimos daqui pela manhã. E não voltará por um longo tempo. Isso é o certo a escolher, uma nova vida. Garanto que eu irei ajuda-lo no que puder. Mas precisa confiar em mim e vir comigo. Abandonar tudo que está aqui.

- Não vou antes de terminar uma coisa que tenho aqui. - sua face estava rubra, uma rigidez contida. Suas pálpebras fecharam-se pesada e demoradamente. Agora Enrique percebia o que era: ódio.

- Negócios inacabados? Vai querer ir atrás deles, não? Acha sinceramente que vale a pena? Mate-os e nunca será melhor que eles. Adianto-lhe algo: você verá muito sangue durante sua vida. Por isso, evite ao máximo qualquer violência. Caso contrário, um dia, você irá se cansar e acabará se entregando.

- É simples para você, não? - a rigidez em sua face desaparecera, as palavras saíam de sua boca com grande violência - Esqueça, eles só mataram uma garotinha com que você saía, você arranja outra. Pro espaço com tudo! Vamos tomar uma cerveja. É muito fácil já que ela era só a mulher de minha vida. Eu a amo - ele rompeu em lágrimas - Eu a amo. Amo... Você não sente, não é? O amor é ilusório, não existe mais.

- Não seja severo, garoto - o que se ouvia agora na voz de Enrique era uma clara amargura - Eu sei muito bem o que é o amor, Deus sabe o quanto amei e elas se foram.

Só agora que Enrique mostrava, é que Juan percebeu as alianças: uma no dedo anular da mão esquerda e outra, pendurada em uma corrente de ouro em seu pescoço.

- Eles mataram Anne...

- E você vai e os mata. Daí um amigo deles vem e tenta te matar. Então outro amigo seu tenta matar o amigo deles e isso não tem mais fim. Entende? A vingança é dura demais. Machuca demais...

Um lampejo passou pela mente de Enrique. Nele, nomes: Kirror Nang. Hilda, quanta saudade. Sabia o que o garoto sentia. Não queria que o coração dele pesasse tanto quanto o seu próprio. Queria evitar tudo isso. Mas sabia. Afinal, foram vinte anos atrás dele. Nunca poderia aconselhar o garoto a agir da mesma forma.

Juan viu que os olhos de Enrique estavam parados e hipnotizados. Enrique ainda podia ver o sangue. O som das espadas, o som da sua fúria, o som mudo da morte de Hilda, o som de uma caçada que se iniciou a vinte anos e continua até hoje... Hilda.

Lentamente Enrique despertou de seu transe, colocou a mão em um dos bolsos, tirou um papel amarrotado e deixou em cima da mesa.

- Você tem as peças na mão garoto. Agora é hora de fazer as escolhas. Se quiser minha ajuda, estarei aqui amanhã, às dez horas em ponto. Às dez horas e um minuto estarei indo embora. Tenha algumas coisas em mente: você é igual a mim. A xícara não nos ferirá. Nem vidro, nem tiro, nem faca. Você não irá morrer hoje. Mas toda sua vida dependerá de suas ações. O mundo começará a andar de modo diferente a partir de agora, você o fará movimentar-se.

Ao dizer isso, Enrique levantou-se, apanhou o sobretudo e caminhou para a porta. Não saiu sem antes virar-se e dar um terno sorriso ao garoto:

- Espero que esteja aqui amanhã.

Depois que Enrique saiu, Juan não conseguiu comer mais nada. Suas mãos hesitaram, tremeram levemente quando ele pegou o papel e leu. Um endereço na cidade. O relógio tocou seis horas da tarde. Por um instante, conseguiu devanear novamente: sentiu que, assim como ele, o soar do relógio hesitara. Anne apareceu-lhe em frente à porta com o mesmo vestido esvoaçante do sonho. Seus braços estavam erguidos em direção aos céus, sua face lembrava aqueles dias em que o sol radiante ainda brilhava no horizonte púrpura, quando suas mãos ainda se tocavam e os dois beijavam-se por horas que passavam quentes pelo sol, que aos poucos ia se escondendo. Ela começou a rodopiar. Rodopiava como uma linda bailarina que dançava sobre um palco resplandecente de ouro. A bailarina mais linda, leve, doce e meiga que já se vira. Naquele doce bailado que o envolvia, ela chegou mais perto, o suficiente para um sentir a respiração do outro, mas não sentiam, segurando o ar num átimo de sensação e expectativa. Expectativa de que os lábios se uniriam. E no momento em que iriam tocar-se, numa leve brisa, toda a adocicada presença dela dissipou-se. Seu olhar tornou-se turvo, o apartamento escureceu repentinamente. Juan sentiu um vazio dentro de si, um vazio que fazia do mais leve sopro de vento um furacão. Seu estômago protestou, seus sentidos vacilaram. Então ele respirou fundo e o quarto estava como antes.

Decididamente ele levantou-se, apanhou um casaco do armário e dirigiu-se até o endereço escrito no papel.

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Agradecimentos:
Aka Draven MacWacko
Thiago Salviatti

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