COOPERATIVAS
de TRABALHO
ASPECTOS
JURÍDICOS e INSTRUÇÕES para CONSTITUIÇÃO
ÍNDICE
capítulo
I - INTRODUÇÃO
I.1.
Evolução Histórica do Cooperativismo
I.2.
Conceito de Sociedade Cooperativa
I.3.
Princípios Definidores do Cooperativismo
I.4.
Regime Jurídico das Sociedades Cooperativas
I.5.
A Constituição de 1988 e as Cooperativas
capítulo
II - COOPERATIVAS DE TRABALHO
II.1.
Evolução das Relações Trabalhistas
II.2.
Peculiaridades das Cooperativas de Trabalho
II.3.
Cooperativas de Trabalho e Terceirização
II.4.
Cooperativas de Trabalho X Empresa
II.5.
Relação Cooperativa/Associado - Ausência de Vínculo Empregatício
II.6.
Inaplicabilidade do Enunciado 331 do TST nas Prestações de Serviços
dos
Associados
de Cooperativas de Trabalho
II.7.
Aspectos Tributários
"O
cooperativismo como sistema de entre-ajuda cristã, concebido para
unir os homens na realização de suas necessidades comuns, paga, por
todo o bem que pretende fazer, a pena de ser ignorado e incompreendido,
sobretudo fora do círculo estreito dos seus adeptos."
Waldírio
Bulgarelli
capítulo
I - INTRODUÇÃO
I.1.
EVOLUÇÃO HISTÓRICA do COOPERATIVISMO
(volta início)
O cooperativismo, assim como outras formas associativas e
corporativas, surgiu a partir do espírito de congregação e
solidarismo do homem que, através da ajuda mútua, passou a atingir
com maior facilidade os seus objetivos.
O movimento cooperativista surgiu e evoluiu em oposição ao
individualismo, bem como ao regime capitalista (no seu aspecto de
exploração do homem) e ao regime socialista (na sua característica
de opressão), tendo se iniciado na Inglaterra pós Revolução
Industrial.
A
primeira cooperativa oficial da história surgiu somente no século
XIX, na pequena cidade de Rochdale, povoado próximo de Manchester,
Inglaterra.
Naquela época, mais precisamente em 1844, 28 tecelões,
atravessando difícil situação econômica, já que com o advento da
máquina a vapor viram diminuídas as suas atividades, passaram a
reunir-se, buscando encontrar uma fórmula associativa que viesse a
melhorar suas condições de vida.
Criaram, então, a Rochdale Society of Equitable Pioneers,
uma cooperativa de consumo
onde todos os associados poderiam ter acesso à compra de alimentos
sem depender dos grandes comerciantes.
Eram princípios da sociedade: a livre adesão, o controle
democrático, a vedação a qualquer discriminação social, política
ou religiosa, venda a preços de mercado e o investimento de reservas
em educação.
Tais
princípios, de tão rígidos, permanecem em vigor até hoje e,
acrescidos de mais alguns, como veremos adiante, distinguem as
sociedades cooperativas dos demais tipos societários.
Criou-se um padrão de organização que teve um crescimento
vertiginoso e que foi largamente adotado nas cooperativas a partir de
então, especialmente nas zonas industriais do norte da Inglaterra e
Escócia, rapidamente alastrando-se entre os trabalhadores urbanos da
Grã-Bretanha, França, Alemanha e Suécia, e entre a população
rural da Noruega, Holanda, Dinamarca e Finlândia.
A primeira cooperativa de trabalho surgiu em Paris, França, em
1848, totalmente influenciada pelos ideais dos ingleses de Rochdale,
tendo como finalidade confeccionar os uniformes para os cidadãos que
faziam parte da Guarda Nacional.
Há outras experiências cooperativas que merecem destaque,
como os kolkhozes,
cooperativas de consumo, de produção agrícola e de trabalho instituídas
na União Soviética a partir de 1917, cuja finalidade era política
e, segundo BULGARELLI,
foram criadas para “preparar o advento do coletivismo, criando nos
associados mentalidade comunitária”; as comunas
(de produção) e as cooperativas de crédito rural na China Comunista;
e os kibutzin (produção
agrícola) no Estado de Israel.
No Brasil, embora houvessem tentativas mal sucedidas anteriores,
o movimento cooperativista surgiu de cima para baixo, ao contrário do
que aconteceu na Europa. Segundo LEITÃO RIOS,
“não houve a criação de uma fórmula associativa, mas apenas sua
importação e adequação aos interesses das elites políticas e agrárias”.
Desta forma, o cooperativismo somente se consolidou no Brasil
em 1932, com a edição do Decreto Federal nº 22.239/32, que definiu
as cooperativas, suas atividades e suas bases operacionais.
Este diploma legal favoreceu um surto de desenvolvimento do
cooperativismo no Brasil, que teve um grande crescimento quando o
Governo Getulio Vargas incentivou a criação de cooperativas agrícolas
de trigo e soja, vivendo seu apogeu nas décadas de 60 e 70, com as
altas cotações da soja no mercado internacional e as facilidades
creditícias.
O Decreto 22.239/32 definia com propriedade o que era, naquela
época, uma Cooperativa de Trabalho. Definia o artigo 24 as
Cooperativas de Trabalho como “aquelas que, constituídas entre operários
de uma determinada profissão ou ofício, ou de ofícios vários de
uma mesma classe, têm como finalidade primordial melhorar os salários
e as condições de trabalho pessoal dos seus associados e,
dispensando a intervenção de um patrão ou empresário, se propõem
contratar obras, tarefas, ou serviços públicos ou particulares,
coletivamente por todos ou por grupos de alguns”.
Posteriormente,
em meio a um processo legislativo de revisão do referido Decreto, foi
publicado o Decreto-Lei nº 59/66, que reformulou por completo a
legislação cooperativista, totalmente à margem do debate que se
travava acerca da matéria. Foram tantos os erros, omissões e
defeitos contidos no referido Decreto que o mesmo suscitou protestos e
a total reprovação por parte dos cooperativistas. E com razão. No
comentário de PLINIO MACHADO,
“foi sob sua égide que mais de 50% das cooperativas brasileiras encerraram suas atividades”.
O Estado pretendia submeter as cooperativas a um rígido
controle, com claro intuito intervencionista e provocando a perda de
diversos incentivos e liberdades conquistadas ao longo do tempo.
Referido Decreto definia a política cooperativista como “a
atividade decorrente de todas as iniciativas ligadas ao sistema
cooperativo, sejam originárias do setor privado ou público, isoladas
ou coordenadas entre si, desde que reconhecido seu interesse público”,
e incumbindo o Governo Federal de orientar essa política,
“coordenando as iniciativas que se propuserem a dinamizá-la, para
adaptá-las às reais necessidades da economia nacional e seu processo
de desenvolvimento”.
Em
16 de dezembro de 1971 foi promulgada a Lei nº 5.764, ainda hoje em
vigor, que define a Política Nacional de Cooperativismo,
estabelecendo os critérios para a criação e formação das
cooperativas, seu funcionamento e regime jurídico, classificação,
relacionamento entre entidade e associados e operacionalização.
O
texto da referida lei, na íntegra e com algumas anotações, encontra-se
transcrito ao final desta obra.
Mas foi em 1994 que as cooperativas de trabalho sofreram um
grande impulso e proliferaram-se pelo Brasil afora, como o advento da
Lei nº 8.949, que acrescentou parágrafo único ao artigo 442 da CLT,
estabelecendo que “qualquer que seja o ramo de atividade da
sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e
seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela.”
Assim, inobstante o artigo 90 da Lei 5.764/71 preconizasse a inexistência
de vínculo empregatício entre a cooperativa e seus associados, a Lei
8.949/94 deu à cooperativa de trabalho reais condições de atuação
no mercado e de competitividade, considerando que diminuiu o risco do
associado ser considerado empregado da empresa tomadora dos serviços.
I.2.
CONCEITO de SOCIEDADE COOPERATIVA
(volta início)
É na definição das sociedades cooperativas onde reside a
maior dificuldade dos diversos autores que tratam da matéria, dando
causa a diversas interpretações desencontradas e incompatíveis,
sobretudo com a doutrina cooperativista. Vários conceitos têm sido
formulados por economistas, juristas e por diversas leis, mas todos
eles não escapam às críticas, segundo CARVALHO DE MENDONÇA
“muitas vezes justíssimas, pois se limitam a enumerar alguns
caracteres do instituto, esquecendo-se do fim que este visa”.
A maior crítica que faço aos conceitos elaborados, e frise-se
que a legislação vigente tratou de saná-la, diz respeito à não
inserção na conceituação do ponto mais importante da sociedade
cooperativa: sua destinação. Como o próprio nome deixa entrever, a
finalidade da sociedade cooperativa é a prestação de serviços aos
seus associados, que por tal motivo assumem a condição de SÓCIOS e
CLIENTES.
Essa é a razão pelo qual a definição que melhor atende aos
nossos anseios seja a de PEDRO BARBOSA PEREIRA,
que assim se refere à referida sociedade: “as cooperativas são
sociedades de capital variável com fluxo e defluxo de sócios.
Destinam-se elas a prestar serviços e vantagens, tendo, em regra, com
seus únicos fregueses, os seus sócios. É para eles e por eles que
ela se constitui e opera. Todos os sócios cooperam com o seu capital,
no mínimo para que possa ela alcançar o seu objetivo. São
cooperadores e cooperados, ao mesmo tempo.”
É de bom tom seguir, ainda, os ensinamentos de BULGARELLI,
segundo o qual o ponto essencial na definição do cooperativismo está
na observância dos princípio doutrinários e sobretudo, no campo prático,
da distribuição dos proventos que auferir, como entidade econômica,
o que vem caracterizá-la como sociedade típica, diferente e separada
das demais existentes na economia capitalista.
Se no tocante aos aspectos filosóficos estavam razoavelmente
delineados os princípios das cooperativas, quanto ao seu perfil de
instituição jurídica a extrema multiplicidade de forma sob as quais
se organizaram as cooperativas levou a Aliança Cooperativa
Internacional, em seu Congresso de Praga, em 1948, a adotar um
conceito de sociedade cooperativa bastante abrangente: “Será
considerada como sociedade cooperativa, qualquer que seja a sua
conceituação legal, toda a associação de pessoas que tenha por fim
a melhoria econômica e social de seus membros, através da exploração
de uma empresa sobre a base da ajuda mútua e que observe os princípios
de Rochdale”.
Essa conceituação segue a orientação doutrinária de
FAUQUET,
que define a sociedade cooperativa como associação de pessoas e, ao
mesmo tempo, empresa econômica, independentemente das definições
das várias legislações. “Empresa econômica, pois a cooperativa não
é associação beneficiente ou cultural, mas busca, através da
exploração de um complexo organizacional, a prestação de serviços
de natureza econômica; associação de pessoas, porque congrega seus
associados pela ajuda mútua, objetivando alcançar o ideal do
cooperativismo, expresso nos princípios rochdaleanos, que a informam
na sua ação prática”.
A referência aos princípios doutrinários é indispensável,
vez que são eles que conferem originalidade e distinguem as
cooperativas das demais sociedades.
Vale transcrever conclusão extraída por AMADOR PAES DE
ALMEIDA,
segundo o qual “a sociedade cooperativa oscila entre fins ideais e
especulativos, pois conquanto seu objetivo, a rigor, não seja o lucro,
nisso se assemelhando à associação, este não está de todo
afastado, já que dificilmente se sustentará uma cooperativa deficitária.
Outrossim, manifesta a cooperação individual, inquestionavelmente o
suporte fático do instituto, inexistindo número limitado de sócios
(senão para a sua constituição, quando é exigível número mínimo
de sete),
o que torna o capital social variável, ao contrário das demais espécies
de sociedades, em que as modificações do fundo social estão
sujeitas a princípios e regras predeterminadas.” E termina
conceituando sociedade cooperativa como “sociedade de pessoas, com
capital variável, que se propõe, mediante a cooperação de todos os
sócios, um fim econômico.”
Feitas as considerações julgadas importantes e atento à
dificuldade de conceituação do instituto, limito-me à conceituação
inserida no artigo 4º da Lei nº 5.764/71, que assim prescreve:
“As
cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídicas
próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas
para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais
sociedades pelas seguintes características:
I
- adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo
impossibilidade técnica de prestação de serviços;
II
- variabilidade do capital social representado por cotas-partes;
III
- limitação do número de cotas partes do capital para cada
associado, facultado, porém, o estabelecimento de critérios de
proporcionalidade, se assim for mais adequado para o cumprimento dos
objetivos sociais;
IV
- incessibilidade das cotas-partes do capital a terceiros, estranhos
à sociedade;
V
- singularidade de voto, podendo as cooperativas centrais, federações
e confederações de cooperativas, com exceção das que exercem
atividade de crédito, optar pelo critério da proporcionalidade;
VI
- quorum para o
funcionamento e deliberação da assembléia geral baseado no número
de associados e não no capital;
VII
- retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às
operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário
da assembléia geral;
VIII
- indivisibilidade dos fundos de reserva e de assistência técnica
educacional e social;
IX
- neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e
social;
X
- prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos
estatutos, aos empregados da cooperativa;
XI
- área de admissão de associados limitada às possibilidades de
reunião, controle, operações e prestação de serviços.”
I.3.
PRINCÍPIOS DEFINIDORES do COOPERATIVISMO
(volta início)
Como se viu na transcrição do artigo 4º da Lei nº 5.765/71,
os princípios filosóficos dos Pioneiros de Rochdale, vistos na evolução
histórica do movimento cooperativista, permanecem em vigor até hoje,
adotando a legislação pátria os seis princípios essenciais
definidos no Congresso da Aliança Cooperativa de 1966, realizado em
Viena, além de outros cinco, que serão doravante analisados.
(a)
adesão livre
Tal princípio desdobra-se em dois outros: o da voluntariedade
e o da “porta aberta”.
Pelo princípio da voluntariedade ninguém pode ser coagido a
associar-se a uma cooperativa. Essa é a razão pela qual BULGARELLI relata que “muitos não
consideram autênticas as cooperativas existentes nos países em que
como a URSS e Cuba, há coação direta ou indireta sobre os
associados. Nos países sub-desenvolvidos, isto costuma ocorrer nos
projetos de reforma agrária, sendo nesse caso essas cooperativas
consideradas mais como pré-cooperativas”.
Pelo princípio da porta aberta, diferentemente do que ocorre
nas demais sociedades, qualquer pessoa tem o direito de ingressar e
sair da cooperativa a seu livre arbítrio, desde que satisfaçam as
condições previstas no respectivo Estatuto Social. À esse princípio
admite-se exceção quando houver impossibilidade técnica de prestação
de serviços, ou seja, quando a cooperativa não tiver mais condições
de cumprir suas atividades, por ter atingido sua capacidade, pode
recusar novos associados, ou quando há alguma condição especial
para a pessoa se associar, como por exemplo pertencer a determinada
categoria (médicos, dentistas, motoristas, etc.).
(b)
variabilidade do capital social
O capital social das sociedades cooperativas é variável e
indeterminado, sendo esta uma característica peculiar às
cooperativas.
Tal característica decorre do princípio da livre adesão,
considerando que, se a qualquer momento pode ingressar ou sair
associados, o capital aumentará ou diminuirá, por ser uma das condições
para o ingresso de novos associados a subscrição de cota-parte de
capital.
(c)
limitação do número de cotas por associados
Nenhum associado pode subscrever mais de um terço do total das
cotas-partes, salvo nas sociedades em que a subscrição deva ser
diretamente proporcional ao movimento financeiro do cooperado ou ao
quantitativo dos produtos a serem comercializados, beneficiados ou
transformados, ou ainda, em relação à área cultivada ou ao número
de plantas e animais em exploração. Nestes casos justifica-se a exceção
porque a própria capacidade de prestação de serviços pela
cooperativa exige maior soma de recursos.
Tal princípio visa eliminar do seio da cooperativa o sócio
capitalista, já que o acúmulo de cotas na mão de um só sócio pode
exercer influência na administração da sociedade e sua eventual
retirada poderia trazer transtornos incomensuráveis, pela
descapitalização.
(d)
incessibilidade das cotas-partes a terceiros estranhos da sociedade
Tal princípio, que proíbe a cessão de quotas a terceiros
estranhos à sociedade, é comum nas demais sociedades de pessoas.
Esta norma, segundo PLÍNIO MACHADO,
“promana do princípio segundo o qual, o ingresso no seio da
sociedade exige o preenchimento de certos requisitos, como a adesão
aos propósitos sociais e o atendimento de condições estatutárias,
e não da simples aquisição da quota-parte de capital”. Fosse
admitida a cessão a terceiros, pessoas estranhas poderiam adquirir a
condição de associados, sem ficar adstritos às aludidas exigências
estatutárias.
(e)
singularidade de voto
Trata-se do princípio da gestão democrática, inatingível no
cooperativismo, onde cada associado tem direito a um voto, seja qual
for o valor de suas quotas e a sua participação no capital.
Este
princípio estabelece a predominância da pessoa sobre o capital. O sócio
que possui várias cotas-partes
tem exatamente o mesmo poder decisório do que possui uma única cota,
e a mesma possibilidade de ser votado e participar da gestão da
cooperativa.
A legislação somente admite o voto proporcional nas
cooperativas de segundo grau:
centrais e federações. A lei é omissa, porém, quanto ao critério
de proporcionalidade, ficando ao arbítrio das próprias cooperativas.
(f)
quorum baeado no número de
sócios e não no capital social
Complementando o princípio da gestão democrática, previsto
no item precedente, tal característica é a principal distinção
entre as sociedades cooperativas e as sociedades de capital, civis ou
comerciais. O quorum para instalação, funcionamento e deliberação
da Assembléia Geral leva em consideração o número de associados e
não o capital.
Predomina, novamente, a pessoa sobre o capital. O sócio que
tem participação maior no capital social
não possui qualquer tipo de vantagem nas Assembléias Gerais,
reafirmando o princípio de “um homem, um voto”.
(g)
retorno das sobras líquidas proporcionalmente às operações
Tal princípio, assim como a limitação do número de cotas
por associados, visa afastar o sócio capitalista da cooperativa e
beneficiar o associado que efetivamente se utiliza dos serviços da
cooperativa.
Assim, embora a cooperativa seja uma sociedade que não visa
lucro, por faltar-lhe finalidade especulativa, as eventuais sobras líquidas
do exercício devem ser rateadas entre os associados proporcionalmente
às operações de cada um.
Há de se ressaltar que o lucro na sociedade cooperativa
constitui mera decorrência da sua boa gestão. Essa a razão pelo
qual a legislação não o denomina de lucro e sim de sobra líquida.
Mas se não visa lucro e houve sobra o que ocorreu? O custo das
operações da cooperativa foi menor do que o previsto, razão pela
qual o princípio ora analisado prevê que se restitua aos associados
aquilo que eles tenham pago a mais nas suas operações com a
cooperativa.
Embora a legislação seja ambígua ao outorgar poderes à
Assembléia Geral para destinar as sobras líquidas a outros fins,
devemos observar que tal arbitrariedade não se destina a alterar o
critério de proporcionalidade, mas sim destinar as sobras a outros
fins que não sejam o de restituir os associados.
(h)
indivisibilidade dos fundos de reserva e assistenciais
Prescreve o artigo 28 da Lei nº 5.765/71 que as sociedades
cooperativas são obrigadas a constituir dois fundos: o de Reserva, de
no mínimo 10% das sobras líquidas do exercício; e o de Assistência
Técnica, Educacional e Social,
de no mínimo 5% das sobras líquidas.
A indivisibilidade de tais fundos se justifica por terem os
mesmos finalidades eminentemente sociais, tornando-os de interesse
coletivo.
Vale lembrar que o desenvolvimento da educação é um dos
princípios dos pioneiros de Rochdale, conforme exposto na evolução
histórica do movimento cooperativista.
(i)
neutralidade política e indiscriminação racial e social
Trata-se de outro dos princípios fundamentais e originários
da doutrina cooperativista, e está amplamente ligado à livre adesão,
proibindo qualquer requisito discriminatório para o ingresso de
associados que não se relacione com seus objetivos sociais.
As sociedades cooperativas, para manterem a independência que
lhes são peculiar, devem ser apolíticas e permanecer distante de
qualquer movimento político ou vinculação partidária.
(j)
prestação de assistência aos associados
A assistência preconizada decorre dos próprios fins do
movimento cooperativista, conforme tivemos oportunidade de manifestar
na tentativa de conceituação da sociedade cooperativa efetuada.
Na opinião de PLINIO MACHADO,
tal atividade “dever ser entendida como supletiva da prestação de
serviços que constitui seu escopo primordial”.
Supetiva ou principal, o importante é relacioná-la com a
doutrina cooperativa, que prega a união de seus membros para melhorar
suas condições de vida.
(k)
área limitada de admissão de associados
A limitação da área de admissão de associados para
possibilitar reunião, controle, operações e prestação de serviços,
não deve ser entendido como uma limitação na área de ação da
cooperativa, e sim como uma forma encontrada pelo legislador para
exigir da cooperativa a efetiva prestação de serviços que
constituem seus objetivos e a possibilidade de reunião dos associados
e do controle que eles devem exercer sobre a administração.
Esta a razão pelo qual PLINIO MACHADO
afirma que “a verdade é que a área de admissão de associados deve
obedecer a vários fatores, mas nunca atendendo restrições geográficas”.
(l)
outras características
Existem outros princípios que caracterizam as sociedades
cooperativas e que as distinguem dos demais tipos societários, dentre
os quais destacaríamos a limitação do pagamento de juros sobre o
capital, previsto no parágrafo 3º
do artigo 24 da Lei nº 5.764/71, que estabelece que “é vedado às
cooperativas distribuírem qualquer espécie de benefício às
cotas-partes ou estabelecer outras vantagens ou privilégios,
financeiros ou não, em favor de quaisquer associados ou terceiros,
excetuando-se os juros até o máximo de 12% (doze por cento) ao ano,
que incidirão sobre a parte integralizada”, e a não sujeição das
sociedades ao procedimento falimentar,
conforme disposição do caput
do artigo 4º da Lei mencionada.
I.4.
REGIME JURÍDICO das SOCIEDADES COOPERATIVAS
(volta início)
Este é outro ponto do direito cooperativo que suscita
numerosos debates e divide os poucos autores que tratam da matéria. E
tais debates sobre o campo jurídico a que pertence o instituto - se
ao direito civil, se ao comercial, ou se a um campo jurídico autônomo,
o direito cooperativo - foram alimentados com a aparente contradição
existente na legislação em vigor.
O artigo 4º da Lei nº 5.764/71 estabelece que “as
sociedades cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e
natureza jurídica próprias, de natureza civil, (...)”.
Ora, como podem as cooperativas, ao mesmo tempo, ter natureza
jurídica própria e natureza civil?
BULGARELLI
critica tal indefinição e considera um erro a lei pretender atribuir
às cooperativas ao mesmo tempo natureza jurídica própria e natureza
civil. Já PLINIO MACHADO elogia o reconhecimento
da lei e menciona que a menção “natureza civil” deve ser
entendida em sentido lato, como forma de realçar seu caráter não
mercantil”.
Partilhamos da opinião do segundo. Ostentando as sociedades
cooperativas natureza jurídica sui generis, criando um regime jurídico próprio, nos parece
plenamente justificável a necessidade de se reconhecer suas características
próprias e deixar assentado sua finalidade eminentemente civil, que
é a prestação de serviços aos associados, distinguindo-as das
sociedades comerciais.
Com propriedade se manifestou ARNOLD WALD
para quem a legislação, ao criar um regime jurídico próprio, deixa
de aplicar as demais normas de direito societário, prevalecendo
sempre as regras estatutárias e, eventual e subsidiariamente, as
normas de direito civil.
Podemos concluir afirmando que, no Brasil, as cooperativas são
sociedades civis com características próprias, divergindo totalmente
das sociedades comerciais e demais pessoas jurídicas de direito
privado.
I.5.
A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E AS COOPERATIVAS
(volta início)
A promulgação da Constituição Federal de 1988 ensejou uma
alteração da legislação cooperativista, principalmente diante do
disposto no inciso XVIII do seu artigo 5º:
“a
criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas
independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em
seu funcionamento.”
Além do dispositivo supra, relacionado expressamente com as
cooperativas, outros incisos do mesmo artigo 5º influenciam a vida
associativa: o direito de aderir a qualquer associação (Incisos XVII
e XX), o de desligar-se (Inciso XX), de dissolução espontânea (Inciso
XIX) e o de representar seus filiados, quando autorizada (Inciso XXI).
Trata ainda a Carta Magna acerca do adequado tratamento tributário
ao ato cooperativo praticado pelas cooperativas (artigo 146, III,
“c”) e do apoio e estímulo do cooperativismo e outras formas de
associativismo (artigo 174, parágrafo 2º).
É indiscutível, no entanto, que o maior avanço alcançado
com a promulgação da Lei Maior é o fato de as cooperativas terem
sido incluídas no dispositivo da liberdade de associação, limitando
a interferência do Estado sobre as cooperativas.
O advento da Constituição de 1988 revogou parcialmente os
artigos 17 a 20 e 88 da Lei nº 5.764/71, que dizem respeito,
respectivamente, à necessidade de autorização para o funcionamento
das cooperativas e para a participação em sociedades não
cooperativas, bem como os artigos 92 a 94 do mesmo diploma, que tratam
da fiscalização e controle.
Deixaram as cooperativas de estarem obrigadas às formalidades
e exigências para obtenção de autorização de funcionamento e de
participação em outras sociedades, que era emitida pelo respectivo
órgão executivo federal de controle, bem como a serem fiscalizadas,
controladas e sofrerem intervenção daquele órgão.
A criação de cooperativas se faz mediante o arquivamento dos
atos constitutivos e dos estatutos sociais na Junta Comercial, a quem incube verificar
sua compatibilidade com a legislação vigente, enquanto que a
fiscalização e controle deve ser exercida pelo Conselho Fiscal e
pelos próprios associados.
Revogou, ainda, a Constituição de 1988, o artigo 107 da Lei nº
5.764/71, pelo qual “as cooperativas são obrigadas, para seu
funcionamento, a registrar-se na Organização das Cooperativas
Brasileiras ou na entidade estadual, se houver, mediante apresentação
dos estatutos e suas alterações posteriores”.
Tal exigência fere, flagrantemente, o inciso XX do artigo 5º
da Constituição, segundo o qual “ninguém poderá ser compelido a
associar-se ou a permanecer associado”.
capítulo
II - COOPERATIVAS de TRABALHO
II.1.
EVOLUÇÃO das RELAÇÕES TRABALHISTAS
(volta início)
Como é sabido, a relação patrão/empregado está, a cada dia
que passa, mais desgastada.
Com a intervenção do Estado na relação capital/trabalho,
através da imposição de inúmeros direitos e deveres, o empresário
passou a se aproximar mais do trabalhador. Percebeu que precisava
muito mais de um parceiro do que de um subordinado, e que a cada
intervenção estatal, era criado um novo encargo social que onerava
ele, empresário, que repassava o ônus para o custo do produto,
criando uma ciranda onde todos perdiam.
Mas o Estado vem dando demonstrações que pretende
desregulamentar o mercado de trabalho, já que somente desta maneira
atrairá novos investimentos.
Com a desregulamentação e a efetiva saída do Estado da relação
capital/trabalho, a negociação direta voltará a reger o mercado de
trabalho, dentro dos princípios da autonomia e liberdade.
A cooperativa de trabalho, neste panorama de parceria e de
negociação direta com o tomador de serviço, é o instrumento ideal
para funcionar, ao mesmo tempo, como representante dos trabalhadores (muitas
vezes conjuntamente dos Sindicatos) e como instrumento de apoio e de
assistência aos mesmos.
As cooperativas de trabalho passarão, além de congregar os
que hoje estão afastados do mercado de trabalho pela crise do emprego,
em função das demissões no inchado setor público, da modernização
das empresas e da crise financeira mundial, congregará também os
profissionais que estarão dentro do mercado de trabalho no futuro, já
que os mesmos procurarão as cooperativas para assisti-lo tanto na
negociação dos seus serviços como no apoio, desenvolvimento e
valorização da sua atividade profissional.
II.2.
PECULIARIDADES das COOPERATIVAS de TRABALHO
(volta início)
A cooperativa de trabalho era, a até pouco tempo, uma forma de
organização desconhecida e pouco divulgada, o que gerou grande
dificuldades para as poucas existentes de angariar postos de trabalho
para os seus associados.
Contribuiu para tal realidade a forma vaga e quase inexistente
com que a Lei 5.764/71 a tratou, gerando uma grande disformidade de
concepções e conceitos e um descrédito por parte das autoridades
governamentais, da opinião pública e do próprio movimento
cooperativo.
Para se ter uma idéia da forma como o cooperativismo de
trabalho é tratado,
o órgão do Governo do Estado de São Paulo que apoia o mesmo está
vinculado à secretaria de Agricultura e Abastecimento, numa clara
demonstração do segundo plano a que o mesmo era relegado, em função
das cooperativas de produção agrícola serem mais antigas e
difundidas.
No lugar de ser um instrumento de política trabalhista, o
cooperativismo de trabalho, se transformou em uma subdivisão da política
agrícola.
O cooperativismo de trabalho acabou crescendo e se
desenvolvimento em caráter emergencial, consequência do desemprego
que assolava
nosso país. Não cresceu dentro da doutrina e dos movimentos
cooperativistas, mas sim como alternativa à crise.
Tinha
tudo, portanto, para ser desvirtuado. Mas não o foi. Os princípios
da doutrina cooperativa, de tão rígidos, acabaram por afastar tal
hipótese.
Os trabalhadores que se associaram às cooperativas de trabalho
com o intuito inicial de conseguir um “emprego”, perceberam,
rapidamente, que aquele era um instrumento que possibilitaria o mesmo
deixar de ser assalariado e se transformar em pessoas que passariam a
gerir a sua própria atividade profissional.
Eles logo perceberam estarem associados a uma entidade em que não
existia a hierarquia patrão/empregado. Que eles próprios elegiam
seus dirigentes e que todos à sua volta gozavam de iguais direitos e
obrigações.
Passou o cooperativismo de trabalho, assim, a ser uma resposta
aos problemas sociais e de organização do trabalho emergidos no
contexto da reestruturação econômica, política e social.
As cooperativas de trabalho são, hoje, reconhecidas pela ONU -
Organizações das Nações Unidas - como um instrumento de
desenvolvimento, geração de emprego e distribuição de renda. O
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - apoia
mais de 60 projetos na área de cooperativas. A OIT - Organização
Internacional do Trabalho da ONU - inclui no artigo 12 de sua
Constituição seu apoio às cooperativas e a Recomendação 127 da
OIT trata especificamente do papel das cooperativas no desenvolvimento
econômico e social dos países em desenvolvimento.
Dentro deste contexto, as Cooperativas de Trabalho se tornaram
a forma de encontrar trabalho para os excluídos, bem como a forma dos
mesmos se organizarem e valorizarem a sua força produtiva.
Voltando ao campo doutrinário, julgamos ter sido extraído do
I Seminário Brasileiro das Cooperativas de Trabalho, realizado em
1981, a melhor definição do instituto:
“Cooperativas
de Trabalho são organizações de pessoas físicas, de uma ou mais
categorias de trabalhadores, reunidos para o exercício profissional
em comum, em regime de auto gestão democrática e de livre adesão,
tendo como base primordial o retorno ao cooperado do resultado de sua
atividade laborativa, deduzidos exclusivamente os custos
administrativos, a reserva técnica e os fundos sociais.”
Embora não tenha sido dado na referida definição o enfoque
assistêncial, já que a cooperativa é constituída para prestar
serviços aos associados, o conceito traduz com propriedade a forma
organizacional das cooperativas de trabalho.
Embora na prática a cooperativa de trabalho funcione como uma
intermediadora da mão-de-obra de seus associados, a sua forma
operacional, gestão democrática e a assistência aos que a ela se
associaram é que constituem sua peculiaridade.
II.3.
COOPERATIVAS de TRABALHO e TERCEIRIZAÇÃO
(volta início)
Os princípios fundamentais da terceirização estão
intimamente ligados aos da cooperativa de trabalho.
Determinada empresa, ao buscar através da terceirização,
qualidade, agilidade e competitividade, encontra na cooperativa de
trabalho o parceiro ideal, possibilitando que a mesma concentre esforços
na sua atividade-fim.
A terceirização por intermédio de uma cooperativa de
trabalho acaba de vez com a estrutura organizacional clássica, onde a
empresa se considerava auto-suficiente, responsabilizando-se por todo
o processo produtivo.
A especialização se torna, cada vez mais, o grande
diferencial nas relações negociais, sendo a terceirização, dentro
da moderna doutrina de organização empresarial, um instrumento capaz
de gerar empregos, melhorar a qualidade dos serviços e aumentar a
competitividade.
As vantagens de se terceirizar as atividades-meio por intermédio
de cooperativa de trabalho são muitas, dentre as quais destacaríamos:
a flexibilidade e a agilidade para substituição de profissionais; o
menor custo em função da não incidência de encargos sociais; a
remuneração do profissional por produção, evitando dispêndio de
recursos em época de ociosidade; e a maior especialização e
qualificação profissional, considerando que as cooperativas utilizam
o Fundo Obrigatório de Assistência Técnica e Educacional para a
reciclagem e treinamento de seus associados.
II.4.
COOPERATIVAS de TRABALHO x EMPRESA
(volta início)
Como já pudemos ter oportunidade de constatar, inclusive com a
leitura do artigo 4º da Lei nº 5.765/71, as diferenças entre uma
cooperativa de trabalho e uma empresa tradicional são significativas.
Mas o que, de fato, diferencia uma Cooperativa de Trabalho de
uma empresa padrão? Passamos, então, a elaborar um quadro
comparativo entre as duas formas societárias:
COOPERATIVA DE TRABALHO
EMPRESA
1.
Sociedade de Pessoas
Sociedade de Capital
2.
Sem fins lucrativos
Visa lucros
3.
Presta serviços ao associado
O empregado lhe presta
(trabalhador)
serviços
4.
Associado presta serviços
Trabalho subordinado
como
autônomo
5.
Risco é dos Trabalhadores
Risco é dos empresários
(associados)
(dono da empresa)
6.
Cada associado um voto
Maior participação no capital
(gestão
democrática)
= Maior poder de decisão
7.
Dirigentes eleitos pelos
Dirigentes escolhidos pelo
associados
dono da empresa
8.
Política de negócios definidas pelos
Política de negócios definida
associados
em Assembléia
pelos donos - centralizada
9.
Número ilimitado de associados
Número limitado de sócios
10.
Tratamento tributário incentivado
Tratamento tributário oneroso
11.
Não sujeita à falência
Sujeita à falência
(quando comercial)
12.
Remuneração
dos Trabalhadores
Empregados com salários pré-
(associados)
de acordo com a produção
estabelecidos
II.5.
RELAÇÃO COOPERATIVA / ASSOCIADO - AUSÊNCIA de VÍNCULO EMPREGATÍCIO
(volta início)
A relação material existente entre uma cooperativa de
trabalho e seu associado é de sociedade e não de emprego. O nexo não
é empregatício, é societário, conforme veremos a seguir.
O artigo 90 da Lei nº 5.764/71, expressamente afasta a existência
de qualquer vínculo empregatício entre a cooperativa e seus
associados, sendo a sua literalidade a seguinte:
"Artigo
90 - Qualquer que seja o tipo de cooperativa, não existe vínculo
empregatício entre ela e seus associados."
O entendimento supra foi reforçado, ainda, com o advento da já
mencionada Lei nº 8.949/94, que acrescenta parágrafo ao artigo 442
da CLT para declarar a inexistência de vínculo empregatício entre a
Cooperativa e seus associados.
Há de se deixar observado que o advento da Lei nº 8.949/94
trouxe uma tranquilidade muito grande ao tomador dos serviços. Até
aquela oportunidade muitos associados ingressavam com ações
trabalhistas diretamente contra o contratante dos serviços, e traziam
uma certa e justificável apreensão por parte daqueles em assumir a
responsabilidade de transformar os profissionais que lhe prestavam
serviços por intermédio da cooperativa de trabalho em seus
empregados.
Outros associados, inadvertidamente e iludidos com promessas de
enriquecimento fácil, também ousam ingressar com ações
trabalhistas contra a própria cooperativa da qual é associado.
É inusitado, mas pleiteia um “vínculo empregatício consigo
mesmo”, razão que torna necessário tecer considerações que
demonstrem o porque da inexistência de relação trabalhista entre
associado e cooperativa.
A
Lei nº 5.764/71, que como já exaustivamente vimos, define a Política
Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades
cooperativas. Há de se demonstrar, assim, que o Estatuto Social e
forma organizacional da respectiva seguem estritamente tal regime jurídico.
O
artigo 3º da mencionada Lei estabelece que "celebram contrato de
sociedade cooperativa as pessoas que se obrigam a contribuir com bens
e serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito,
sem objetivo de lucro".
Conclui-se de tal mandamento que uma cooperativa de trabalho
tem o escopo de unir profissionais autônomos para um fim comum. Uma
união de esforços objetivando um proveito para cada um de seus
associados.
Não existem patrões nem empregados, apenas associados, que
possuem legitimidade e meios para participar da administração, direção
e fiscalização da cooperativa, com voz ativa e voto em assembléias.
Os cooperados se associam à Cooperativa, subscrevendo quotas
do seu capital, tornando-se parte das mesmas, quotas estas que,
inclusive, estabelecerão a responsabilidade dos cooperados pelas
obrigações da Cooperativa.
Ao se tornar sócio da Cooperativa, o associado passa a gozar
todos os direitos que tal condição lhe impõe, tais como participar
de assembléias, votar e ser votado, eleger seus diretores e
conselheiros, praticando, enfim, todos os atos concernentes ao convívio
societário, e passa a usufruir de todos os serviços objeto da
cooperativa, entre eles a designação para prestar serviços perante
os tomadores de serviços.
Com o trabalho que lhe é inerente o associado contribui para o
bem comum dos demais associados, qual seja: melhores rendimentos,
condições de trabalho, etc. Como já exposto o associado, além de sócio,
é também usuário da Cooperativa. O associado presta serviços a
terceiros e a Cooperativa presta serviços a ele associado. Tal relação
não pode, em hipótese alguma, ser caracterizada como de emprego.
Vale
relembrar, a propósito, que o sistema ou a doutrina cooperativista é
a expressão
de
um ideal sócio-econômico da realidade concreta, visando a congregar
os homens, sobretudo os mais necessitados, em torno da idéia central
da ajuda mútua, através de uma atividade econômica conjunta apta a
atender às suas necessidades comuns.
O propósito básico encontra-se e se exprime na formação de
uma empresa comum, formada pelos que tem as mesmas necessidades,
empresa, essa, capaz de atendê-los proporcionalmente.
Mesmo não considerando a situação de sócio como suficiente
para afastar a existência de vínculo empregatício, o que apenas se
admite especulativamente, também os requisitos essenciais da
admissibilidade de caracterização de tal vínculo não estão
presentes na relação cooperativa/associado.
Segundo SALEM NETO,
para se caracterizar o vínculo empregatício deve-se sistematicamente
aproveitar os requisitos dos artigos 2º
e 3º
da CLT, que definem empregado e empregador, elencando como requisitos
mais relevantes o salário, a subordinação e a prestação de serviço
não eventual.
Nenhum dos requisitos mencionados se afiguram na relação
cooperativa/associado, passemos a analisá-los:
(a)
salário
O associado não recebe salário. O associado é reembolsado
pela Cooperativa da qual é cooperado da receita que a esta aufere
pelo fruto dos serviços que aquele prestou a terceiros por intermédio
da mesma.
A própria legislação previdenciária trata tal remuneração
recebida pelos associados das Cooperativas de Trabalho da qual fazem
parte como “retribuição pelos serviços que prestem a pessoas jurídicas
por intermédio delas”,
não se referindo, portanto, a salário.
(b)
subordinação
Em uma cooperativa, especialmente se tratando de cooperativa de
trabalho, não existe e não pode existir qualquer tipo de subordinação.
Como já amplamente demonstrado no decorrer desta obra, são os
próprios associados quem ditam os rumos da cooperativa, elegendo seus
dirigentes e participando efetivamente da vida societária através da
participação em Assembléias, Conselhos, etc., dentro dos princípios
da gestão democrática que foram esmiuçados no capítulo I,
especialmente o da limitação de cotas por associado, da
singularidade de voto e do quorum para deliberação baseado no número
de associados e não no capital.
Pode existir em uma cooperativa de trabalho, no entanto, uma
estrutura operacional que viabiliza a prestação de serviços de seus
associados para o cumprimento dos objetivos a ela inerentes, sendo
certo que tal organização deve ter origem nas deliberações dos próprios
associados, a fim de que exista justiça e equidade na distribuição
e designação dos serviços. Tal estrutura organizacional não pode,
em nenhum momento, ser caracterizada como subordinação ou hierarquia,
mas sim como a busca da ordem e disciplina.
(c)
prestação de serviço não eventual
Como reiteradamente ressaltado, o associado não presta serviços
à cooperativa, e sim a terceiros por intermédio da cooperativa de
trabalho da qual o mesmo é associado.
É a cooperativa quem lhe presta serviços, buscando no mercado
postos de trabalho para que seu associado desenvolva suas atividades
profissionais, dentro do espírito de mutualidade e cooperação que
devem nortear suas atividades.
Assim, inexistindo a prestação de serviços, inexiste tal
elemento caracterizador do vínculo empregatício.
(d)
falta de animus contrahendi
AMAURY MASCARO NASCIMENTO,
com a propriedade que lhe é peculiar, ao elencar os requisitos para a
caracterização de emprego, expressamente afasta a incidência da
relação jurídica laboral quando inexiste o animus
contrahendi:
"Será
necessário, ainda, um elemento subjetivo que é o animus
contrahendi, o propósito de trabalhar para outro como empregado e
não com outra finalidade."
Este é, na nossa opinião, o principal elemento
descaracterizador do vínculo empregatício nas relações
cooperativas/associados.
Todo pessoa, ao procurar uma cooperativa de trabalho para se
associar ou ao constituir uma, está em busca de uma entidade na qual
se tornará sócio, contribuirá com seu esforço para a melhoria econômica
e social dos demais associados (como cooperador) e se utilizará dos
serviços que a mesma presta aos seus associados (como cliente). Por
tais motivos assumem a condição de sócios e clientes.
Assim, ao se associarem a uma instituição que lhe prestará
serviços, participando ativamente da sua administração e ditando os
rumos da mesma, as pessoas que ingressam em seu quadro associativo não
têm o propósito de a ela trabalhar como empregado, inexistindo o animus
contrahendi que deve caracterizar tal relação.
(e)
precauções
Inobstante a inexistência do vínculo empregatício seja
patente, algumas precauções devem ser tomadas para impedir o
desvirtuamento da doutrina cooperativista, o que pode originar,
inclusive, a nulidade do ato de associação do cooperado e a
caracterização de vínculo empregatício, na forma do artigo 9º da
CLT.
Os Estatutos da Cooperativa e sua forma de atuação devem
seguir, rigorosamente, todos os princípios definidores da doutrina
cooperativa, principalmente os que se reportam à voluntariedade e à
gestão democrática, bem como estar devidamente adequado à Lei nº
5.764/71.
O ingresso e desligamento de cooperado devem seguir todas as
formalidades legais e estatutárias, e a aplicação de qualquer sanção
disciplinar deve ser efetuada observando-se o direito de defesa do
associado.
Deve se evitar a imposição de uma situação jurídica da
qual a pessoa não queira se envolver. A admissão do associado não
pode ser compulsória.
As poucas vezes em que vemos decisões dos Tribunais
reconhecendo vínculo empregatício de associados de cooperativas de
trabalho para com a mesma ou para com o tomador dos serviços, há
fraudes por parte de empresários que, visando diminuir seus custos,
colocam ao empregado uma única alternativa: participar da cooperativa
ou perder o emprego. Os empregados tornam-se associados da cooperativa
sem nem ao menos saber do que se trata. Nesses casos o empresário
costuma dirigir, além da sua empresa, a referida cooperativa, em
claro desrespeito a vários princípios fundamentais do cooperativismo
e em desobediência à Lei nº 5.764/71. Tal fato, invariavelmente,
acarretará o reconhecimento do vínculo empregatício e/ou a sucessão
do contrato de trabalho anterior.
(f)
jurisprudência
A Justiça do Trabalho tem julgado improcedente as ações
trabalhistas interpostas por associados de cooperativas de trabalho
contra a mesma e/ou contra a tomadora dos serviços.
Passamos a transcrever, assim, as ementas de algumas dessas
decisões e de uma (a última) em que, por desvirtuamento do uso da
cooperativa, se reconheceu o vínculo empregatício.
·
Relação de Emprego. Associado cooperativista que presta serviços
à própria. Ausência de vínculo empregatício. As sociedades
cooperativas de trabalho não autorizam, em hipótese alguma, concebam-se
como veículos de relação de emprego entre sócios.
·
Relação de Emprego. Cooperativa de Prestação de Serviços
Autônomos. Constituição regular, na forma da Lei 5.764/71. Ausência
de vínculo empregatício, porque o autor foi nela ingressado como
associado.
·
Relação de Emprego. Cooperativa. Evidenciado nos autos ser a
reclamada uma cooperativa sem finalidade lucrativa e comprovada a
autonomia do reclamante na prestação laboral, fica afastada a
possibilidade de se reconhecer a relação de emprego entre as partes.
·
Relação de Emprego. Cooperativa. Inexistência. Não há que
se falar em relação empregatícia regularmente instituída.
·
Relação de Emprego Inexistente. Sócio de Cooperativa. Não há
que se falar em vínculo de emprego entre as partes, em sendo o
reclamante sócio da cooperativa ré. Aplicação do parágrafo único
do artigo 442 da CLT.
·
Associado de Cooperativa Médica. Inexistência de Vínculo de
Emprego. Não existe vínculo de emprego entre o associado que presta
serviços aos cooperativados e a respectiva cooperativa, por expressa
vedação do parágrafo único do artigo 442 da CLT e artigo 90 da Lei
nº 5.764/71.
·
Relação de Emprego. Cooperativa de Prestação de Serviços
dos Trabalhadores Autônomos das Vilas de Porto Alegre. Coleta de Lixo.
Presença de fraude à legislação trabalhista na prestação de
serviços, afastada a alegação de se tratar de sócio-cooperativado,
dado o caráter de mascaramento do vínculo empregatício. Inexistência
de relação de emprego com a autarquia municipal, tomadora dos serviços
do autor.
II.6.
INAPLICABILIDADE do ENUNCIADO 331 do TST nas PRESTAÇÕES de SERVIÇOS
dos ASSOCIADOS de COOPERATIVAS de TRABALHO
(volta início)
Prescreve o Enunciado TST nº 331, de dezembro de 1993:
“Enunciado
nº 331 - Contrato de Prestação de Serviços - Legalidade - Revisão
do Enunciado nº 256.
I
- A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal,
formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo
no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.74).
II
- A contratação irregular de trabalhador, através de empresa
interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da
Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II,
da Constituição da República).
III
- Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de
serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.83), de conservação
e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à
atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a
subordinação direta.
IV
- O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do
empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos
serviços quanto àquelas obrigações, desde que este tenha
participado da relação processual e conste também do título
executivo judicial.”
O Enunciado retro-transcrito é anterior ao advento da já
mencionada Lei nº 8.949/94, que acrescentou parágrafo ao artigo 442
da CLT, sendo certo que, em virtude de tal diploma, o mesmo deixou de
ser aplicável nas terceirizações efetuadas por intermédio de
Cooperativas de Trabalho para serviços prestados pelos próprios
associados, pelo simples fato da lei, além de ter reconhecido os
tomadores de serviços e legitimado a respectiva prestação, alijou
do vínculo empregatício tal relação.
Cabe observar, outrossim, que mesmo antes da vigência da
legislação mencionada, a aplicação do Enunciado 331 para as
terceirizações envolvendo Cooperativas de Trabalho sempre nos
pareceu questionável.
Dado o enorme interesse e as dúvidas que pairam sobre a matéria,
passamos a expor os motivos do questionamento, principalmente para
aqueles justificam com o referido Enunciado a não celebração de um
contrato com uma Cooperativa de Trabalho.
(a)
incompetência da Justiça Trabalhista em razão da matéria
A competência da Justiça do Trabalho atribuída pelo artigo
114 da Constituição Federal é a de compor controvérsias referentes
à relação de emprego.
Ocorre, como já ressaltado, que mesmo antes do advento da Lei
nº 8.949/94, a Lei nº 5.764/71, em seu artigo 90, que “qualquer
que seja o tipo de cooperativa, não existe vínculo empregatício
entre ela e seus associados".
Embora a legislação não tratasse dos tomadores de serviços,
restava claro ser a relação material existente entre cooperativa e
associado de sociedade e não de emprego, o que, por si só,
fundamenta a incompetência da Justiça do Trabalho em razão da matéria.
Ambas as relações, a interna, entre cooperativa e associados,
e a externa, entre cooperativa/associados e tomadores de serviços, são
de natureza civil A primeira em função da legislação
retromencionada e a segunda por se tratar de Locação de Serviços,
amparada legalmente pelos artigos 1.216 e seguintes do Código Civil.
(b)
cooperativa não se confunde com empresa interposta
Como já tivemos oportunidade de observar, uma cooperativa de
trabalho não pode ser confundida com empresa interposta.
O artigo 3º da Lei 5.765/71, ao estabelecer que "celebram
contrato de sociedade cooperativa as pessoas que se obrigam a
contribuir com bens e serviços para o exercício de uma atividade
econômica, de proveito, sem objetivo de lucro", consagra o
entendimento de que uma cooperativa de trabalho tem o escopo de unir
profissionais autônomos, para um fim comum, ou seja, uma união de
esforços objetivando um proveito para cada um de seus associados.
Não existem patrões nem empregados, apenas associados, que
possuem legitimidade e meios para participar da administração, direção
e fiscalização da cooperativa, com voz ativa e voto em assembléias.
Os cooperados se associam à Cooperativa, subscrevendo quotas
do seu capital, tornando-se parte das mesmas, quotas estas que,
inclusive, estabelecerão a responsabilidade dos cooperados pelas
obrigações da Cooperativa, nos termos da Lei e do respectivo
Estatuto Social.
Cumprindo os seus objetivos sociais a Cooperativa de Trabalho
busca, junto a entidades de direito público e privado, a contratação
de serviços para o desenvolvimento profissional de seus associados.
Sendo associado de uma Cooperativa, a pessoa passa a gozar de
todos os direitos que tal condição lhe impõe, tal como ser
designado para prestar serviços angariados por aquela, participar de
assembléias, votar e ser votado, eleger seus diretores e conselheiros,
enfim, praticar todos os atos concernentes ao convívio societário.
Assim, como associado, contribui com seu trabalho para o bem
comum dos associados, qual seja: melhores rendimentos, condições de
trabalho, etc. Desta forma o cooperado, além de sócio, é também
usuário da Cooperativa. O associado presta serviços a terceiros e a
Cooperativa presta serviços a ele associado.
Desta forma, não se trata de empresa interposta para prestar
serviços. Trata-se, na realidade, de uma sociedade cujo objetivo não
é prestar serviços a terceiros, e sim assistência a seus associados.
(c)
os cooperados sempre prestam serviços especializados ligados à
atividade-meio da tomadora dos serviços
A doutrina predominante considera, muitas vezes, impossível
fazer uma distinção entre atividade-meio e atividade-fim. Alguns
autores, apesar de somente admitirem a terceirização das atividades
de apoio, por conta do enunciado ora analisado, sugerem que
dificilmente a mão-de-obra se caracteriza como atividade-fim da
empresa. Sustentam, ainda, que isso somente aconteceria com as
sociedades uniprofissionais, ou seja, sociedade de engenheiros, de
advogados, de contadores que, por meio de terceirização, contratam
tais profissionais. Isso significa dizer que o médico não é
atividade-fim de um hospital, o motorista não é atividade-fim de uma
transportadora, o engenheiro não é a atividade-fim de uma
construtora, e assim por diante.
Tais serviços (atendimento médico, condução de veículos,
engenharia, etc.) são sempre especializados e não se consubstanciam
na atividade-fim do tomador (assistência à saúde, transporte e
construção).
Diante de tal quadro somos de opinião que os associados às
cooperativas de trabalho, a menos que se trate de “quarteirização”
por empresas de alocação de mão-de-obra ou de terceirização de
profissionais da mesma categoria das sociedades uniprofissionais,
sempre prestam serviços especializados (conforme sua formação
profissional, qualquer que seja ela) e ligado à atividade-meio do
tomador.
(d)
inexistência de pessoalidade e subordinação.
Como já considerado, inexiste os requisitos essenciais da
admissibilidade de caracterização de vínculo.
A pessoalidade inexiste, já que a Cooperativa de Trabalho
aloca seus profissionais conforme regras próprias e sem a participação
do tomador de serviço que pode, eventualmente, vetar determinado
profissional conforme o que dispuser o respectivo instrumento de
contratação.
Apesar de intrinsecamente a inexistência de pessoalidade
neutralizar a subordinação, esta também não existe entre a
tomadora dos serviços e os associados designados para prestar serviços.
Qualquer reclamação quanto ao trabalho executado deve ser feito pela
tomadora de serviços à Cooperativa e não ao prestador de serviços.
Qualquer sanção disciplinar é aplicada pela própria cooperativa, e
nunca pelo tomador de serviço.
Cumpre ressaltar, ainda, que no cooperativismo de trabalho não
existe subordinação nem dentro da própria Cooperativa. Todos os
associados são iguais perante a cooperativa não existindo qualquer
forma de hierarquização. Pode existir, sim, uma estrutura
operacional que viabilize a prestação de trabalhos mútuos, objetivo
da cooperativa. Tal organização tem origem nas deliberações dos próprios
associados, sem o que não existiria justiça e equidade na distribuição
e designação dos serviços.
Em suma, somente se a prestação de serviço caracterizar os
elementos definidores do contrato de trabalho previstos no artigo 3º
da CLT, estará configurada a relação de emprego com a empresa
terceirizante, aplicando-se o artigo 9º daquele dispositivo legal,
que estabelece a nulidade do ato praticado com o objetivo de
desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos da
Consolidação, podendo, ai sim, incidir a responsabilidade solidária
prevista no artigo 455.
(e)
afronta à Constituição Federal e ao Código Civil
O Enunciado em questão afronta preceitos constitucionais e
legais, não só com relação às cooperativas de trabalho mas com
relação à terceirização como um todo.
No âmbito constitucional fere o consagrado princípio de que
todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
agasalhado no artigo 5º, caput, da Constituição Federal, bem como o
princípio da livre iniciativa (artigo 170 da Carta Magna), enquanto
que no âmbito civil tenta, inadvertida e ilegalmente, “revogar”
parte considerável da Legislação Substantiva que trata da locação
de serviços e da empreitada.
(f)
jurisprudência
A jurisprudência também já se manifestou contrária ao
referido enunciado, criticando-o. Vale transcrever da lavra do
Ministro Francisco Leocádio, que assim se manifestou sobre a questão:
“Não
se pode admitir a equiparação de empresa prestadora de serviços -
legalmente constituída - com a locação de mão de obra, onde, não
raro, a intermediação é operada por empresas ‘fantasmas’ que
visam, essencialmente, a burlar a lei e a mascarar as relações de
trabalho perante o Poder Judiciário. A existência destas empresas
prestadoras de serviços decorre da modernização das relações de
trabalho, às quais a Justiça do Trabalho não pode permanecer refratária.
A evolução destas relações deve ser atentamente observada, sob
pena de prejudicar as partes contratantes e desmobilizar uma estrutura
mundialmente consagrada que, a toda evidência, gera inúmeros
empregos. Entendo que o Verbete sumular nº 256 tem que ser
interpretado restritivamente e não taxativamente, devendo, antes de
mais nada, examinar cautelosamente os fatos e, mais do que isto, deve
ter a atenção voltada à evolução da realidade sócio-econômica
que, necessariamente, deve impregnar o Direito do Trabalho, posto que
dinâmico.”
II.7.
ASPECTOS TRIBUTÁRIOS
(volta início)
(a)
sistema operacional
Os atos cooperativos, aqueles praticados entre as cooperativas
e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si,
quando associadas, para o cumprimento dos objetos sociais, não são
tributados, enquanto que a realização de quaisquer atos distintos
dos atos cooperativos é considerada incompatível com o regime
especial estabelecido e, em consequência, com o próprio conceito
legal de cooperativa, devendo ser levados normalmente à tributação.
O artigo 146, III, da Constituição Federal de 1988 garante
“adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas
cooperativas”.
Os resultados positivos obtidos pelas sociedades cooperativas não
estão sujeitos à incidência do Imposto de Renda, estando as mesmas
sujeitas ao pagamento do imposto calculado apenas sobre os resultados
positivos decorrentes de atos não cooperativos. A tributação será
efetuada pela alíquota normal do IR, aplicável às demais pessoas
jurídicas.
As operações relativas aos atos não cooperativos devem ser
segregadas, escrituradas em separado, sendo as cooperativas obrigadas
a destacar em sua escrituração contábil as receitas que não se
caracterizam com típicas ou normais a esse tipo societário, assim
como os respectivos custos e encargos, a fim de determinar o lucro
real a ser oferecido à tributação.
Já os cooperados devem ter, quando do reembolso das remunerações
recebidas por intermédio da cooperativa, o imposto de renda retido na
fonte, na forma da tabela progressiva.
(b)
imposto de renda retido na fonte
O imposto retido
na fonte das cooperativas de trabalho (1,5%) será compensado por
aquelas com aquele que tiver que reter por ocasião do pagamento dos
rendimentos aos seus associados. Isto porque as cooperativas não estão
sujeitas à incidência do Imposto de Renda as importâncias pagas ou
creditadas por pessoas jurídicas às cooperativas de trabalho,
relativas a serviços pessoais que lhe forem prestados por associados
desta ou colocados à disposição.
As cooperativas de
trabalho devem discriminar, em suas faturas, as importâncias
relativas aos serviços pessoais prestados à pessoa jurídica por
seus associados das importâncias que correspondem a outros custos ou
despesas. Isso porque o IR/FONTE a ser retido (e posteriormente
compensado) somente incide sobre as importâncias relativas aos serviços
pessoais.
(c)
PIS
As cooperativas somente são contribuintes do PIS sobre o total
da folha de pagamento de remuneração de seus empregados e em relação
às operações praticadas dos não cooperados.
(d)
COFINS
As
cooperativas, quanto aos atos cooperativos próprios de sua finalidade,
estão isentas do COFINS. As operações praticadas com não cooperados estarão sujeitas à
incidência da referida contribuição.
(e)
imposto sobre serviço
As cooperativas não sofrem a incidência do ISS em face de sua
natureza jurídica, de associação sem finalidade lucrativa;
Os cooperados, no entanto, estarão sujeitos à incidência do
ISS em função das atividades que exercem, por serem profissionais
autônomos.
(f)
INSS
Os associados são segurados obrigatórios:
·
como empresários, o associado eleito para cargo de direção
na sociedade cooperativa; e
·
como autônomos, o trabalhador associado à cooperativa de
trabalho que nessa qualidade presta serviço a terceiros.
Já as cooperativas de trabalho passaram a estar sujeitas à
exigência da contribuição destinada ao financiamento da seguridade
social criada pela Lei Complementar nº 84, de 18 de janeiro de 1996,
regulamentado pelo Decreto nº 1.826, de 29 de fevereiro de 1996, nos
seguintes termos:
"Artigo
1º - Para a manutenção da Seguridade Social ficam instituídas as
seguintes contribuições sociais:
I
- a cargo das empresas e pessoas jurídicas,
inclusive cooperativas, no valor de quinze por cento do total das
remunerações ou retribuições por elas pagas ou creditadas no
decorrer do mês, pelos serviços que lhe prestem, sem vínculo
empregatício, os segurados empresários, trabalhadores autônomos,
avulsos e demais pessoas físicas;
II.
a cargo das cooperativas de
trabalho, no valor de quinze por cento do total das importâncias
pagas, distribuídas ou creditadas a seus cooperados, à título de
remuneração ou retribuição pelos serviços que prestem a pessoas
jurídicas por intermédio delas" (grifos nossos).
Contudo, grande parte dos tributaristas pátrios entendem que a
referida exigência é manifestamente inconstitucional, razão pela
qual as cooperativas tem ajuizado medidas judiciais para verem
declarada a inexistência de tal relação jurídica tributária e
depositando tal contribuição em juízo.
Sustentam o citado entendimento alegando, em suma, que a citada
Lei Complementar estabeleceu para as sociedades cooperativas
tratamento tributário idêntico ao das demais pessoas jurídicas,
ferindo o artigo 146, III, "c" da Constituição Federal,
que determina "adequado tratamento tributário ao ato cooperativo"
e encerra norma de aplicação concreta do Princípio da Igualdade.
Alegam, ainda, que a exigência em questão adota fato gerador
e base de cálculo próprios de outros impostos já existentes (contribuição
dos associados como autônomos), ferindo o disposto no já citado
artigo 154, Inciso I, da Constituição Federal.
Assim, resta aguardar uma manifestação do Supremo Tribunal
Federal.
TST, RR-27.032/91, Ac. 1ª T - 558/92, publ. em 21/08/92.
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