A Comunidade de Prática CarpeDiem está baseada numa rede virtual
espontânea e colaborativa de pesquisa e trabalho colaborativo, com o
propósito básico de buscar alternativas teóricas e práticas para a
seguinte indagação: o que é educar na Sociedade do Conhecimento? Foi
criada em julho de 2003, no Brasil, e originou-se da lista de
discussão Competitive-Knowledge, razão pela qual reúne em sua
maioria profissionais e pesquisadores vinculados à temática da
Gestão do Conhecimento.
Segundo Manuel Castels, a emergência da Sociedade do Conhecimento
coloca, entre outros, o desafio de equilibrar o desenvolvimento
científico-tecnológico com o desenvolvimento das mentalidades. O
modelo de ensino predominante, fruto dos paradigmas vigentes na
Sociedade Industrial, não se mostra mais adequado para atender à
demanda dos saberes, habilidades e atitudes deste atual momento
histórico. Trata-se de um modelo instrucionista, que pende mais para
o lado "ensino" do que ao lado "aprendizagem". O professor é visto
como o detentor do saber e por isto deve "depositar" sua sapiência
na conta bancária mental zerada do aprendiz. Razão pela qual Paulo
Freire a chamou de educação "bancária".
Cientes da defasagem entre o modelo educacional e as necessidades
de um mercado cada vez mais globalizado e competitivo, o setor
produtivo passou a conceber as suas próprias soluções no campo da
capacitação, o que determinou o aparecimento de um modelo
educacional denominado de Educação Corporativa que desembocou,
inclusive, na criação das Universidades Corporativas.
A emergência e a rápida disseminação das novas tecnologias de
informação e comunicação e do ciberespaço colocaram também um novo
desafio às Escolas, que é o de atualizarem seus processos de ensino
e aprendizagem com a utilização de estratégias educativas mediadas
por computador, através de jogos eletrônicos, e-learning, etc.
A defasagem entre a escola que temos e a escola que precisamos
tem sido pensada por vários pesquisadores e existem também várias
experiências que buscaram encontrar novos caminhos para um setor da
vida humana que deixou de ser uma possibilidade para ser uma
necessidade: a educação. Contudo, a grandiosidade do desafio exige
um grande empenho, não só da escola, mas de todas as pessoas e
instituições que possam de alguma sorte colaborar para repensar o
contexto educacional.
Um dos rumos deste repensar aponta a necessidade da Educação
superar a abordagem instrucionista e basear-se no desenvolvimento
das competências que permitam aos educandos desenvolverem-se como
pessoas integrais. A emergente Sociedade está migrando para uma
Economia da Conhecimento, onde o "conhecimento" passou a integrar e
ser considerado o mais importante ativo de produção. Nesta nova
configuração sócio-econômica, passou a ser de vital importância
gerenciar com eficiência a informação, isto é, o conhecimento
explícito. Mas ainda mais importante tem sido a possibilidade de
estimular e explorar o conhecimento tácito, aquele ainda não
materializado, pois é dele que depende a criatividade e a inovação,
que são valores essenciais de sobrevivência no mercado
globalizado.
O "Projeto CoP CarpeDiem – Educar na Sociedade do Conhecimento"
tem como proposta elaborar um novo referencial de aprendizagem,
baseado em uma Educação Cognitivo-Existencial (ECOEX). Busca-se um
repensar dos modelos pedagógicos até então existentes e, a partir de
um olhar crítico, desenvolver uma nova visão que inclua tanto a
preparação plena para a vida quanto para o trabalho, a partir do
respeito e da promoção dos Valores Humanos essenciais. Como
alternativa a uma educação instrucionista e bancária, a ECOEX tem
como meta buscar construir um modelo de aprendizagem que favoreça
não só a aquisição de informação e o treino de habilidades para o
trabalho, mas a formação de seres humanos autônomos, éticos e
criativos.
O objetivo precípuo da ECOEX é o de produzir Inteligência
Sustentável, formando o cidadão e capacitando-o com as competências
cognitivas e existenciais básicas necessárias ao "trabalhador do
conhecimento", através de um processo de aprendizagem que seja não
só por toda a vida, mas que abranja também todos os setores da vida,
muitos dos quais relegados pela educação tradicional, como por
exemplo, o "aprender a Ser". Sendo uma educação para a vida e para o
trabalho, busca basear-se numa visão integral do ser humano,
considerando as suas diversas dimensões, tais como a biológica, a
antropológica, a cognitiva, a emocional, a existencial, a
espiritual, e a sócio-político-econômica.
Para dar conta desta tarefa a ECOEX busca desenvolver uma clareza
epistemológica na construção do modelo, a partir dos aportes do
pensamento complexo e transdisciplinar, bem como contar com os
conhecimentos e expertises de profissionais de áreas diversas.
Uma das crença básicas que motiva a proposta de um novo
referencial para a Educação, é a de que nunca em toda a história
humana foi tão possível, em razão da tecnologia emergente, não
apenas investir na formação das inteligências individuais, mas
também no desenvolvimento de uma verdadeira Inteligência
Coletiva.
Entendemos com Pierre Lévy, que a "inteligência" é o conjunto de
aptidões cognitivas, integradas pelas capacidades de perceber, de
lembrar, de aprender, de imaginar e de raciocinar. Razão pela qual
todos os seres humanos são inteligentes e todos tem a possibilidade
de conquistar um grau mais elevado destas aptidões ao mesmo tempo
que integra e contribui com a Inteligência Coletiva.
Embora as pessoas que iniciaram este Projeto sejam mais ligadas
ao campo profissional, não queremos contribuir apenas para a o
APRENDER A FAZER, mas também para o APRENDER A CONHECER, o APRENDER
A CONVIVER e o APRENDER A SER, que são os 4 Pilares da Educação do
Futuro, do Relatório Delors da Unesco. Segundo este Relatório, estes
Pilares remetem à duas perguntas essenciais, que uma proposta
educacional deve buscar responder:
1) Como aprender a aprender para aprender a fazer?
2) Como aprender a conviver para aprender a ser?
Enquanto a primeira pergunta contém os Pilares APRENDER E FAZER,
a outra contém os Pilares CONVIVER e SER. Buscando uma ponte com o
pensamento taoísta chinês, que é uma das possibilidades a que nos
convida o pensamento transdisciplinar, poderíamos dizer que o
edifício da Educação do Futuro baseia-se no Tao (Caminho, direção),
pois integra a energia masculina YANG do Cognitivo (aprender e
fazer) com a energia feminina YIN do Existencial (ser e conviver).
A ECoEx busca assim construir um modelo de aprendizagem de forma
dialógica, isto é, através de um permanente diálogo e integração
entre as dimensões cognitiva e existencial da manifestação
humana.
Nosso Visão de Futuro aponta para a crença de que, para fazer a
dialógica entre a tecnologia e as mentalidades e entre o
desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social, precisamos
arregaçar as mangas cognitivas e existenciais e construir uma
sociedade sustentável do conhecimento, onde todo ser humano tenha a
possibilidade de fazer brilhar sua estrela, tornando-se um cidadão
do conhecimento.
A ECoEx pode contribuir neste contexto não como a única ou a
melhor solução, mas com o aporte, sempre provisório, de saberes,
estratégias, metodologias, ferramentas e ações que permitam, em
síntese:
a) a INCLUSÃO COGNITIVA, com o desenvolvimento das competências
de aprender/desaprender/reaprender continuamente e de obter
trabalhabilidade (mais amplo que empregabilidade);
b) a INCLUSÃO EXISTENCIAL, com o desenvolvimento das competências
do autoconhecimento e da convivialidade, rumo à auto-realização e à
permanente manutenção da cultura da paz e da não-violência.
A ECoEx está comprometida tanto com a felicidade e o sonho de
cada aprendiz, como com nossos sonhos coletivos de viver em
comunidades e cidades que provenham de forma digna as necessidades
básicas de todos os seres humanos. A chamada "inclusão social" ganha
aqui uma nova visão, pois se um indivíduo tem a chance de incluir-se
cognitiva e existencialmente ele estará efetivamente garantindo sua
inclusão social, a partir de sua própria autonomia, sem ficar a
depender de políticas sociais compensatórias.
Enquanto o educação tradicional ensina a olhar para o sonho de
outros, pois todos os grandes realizadores da humanidade foram
grandes sonhadores, ela não se compromete com o sonho de cada
Aprendiz. Estes são assim condenados a "ver a banda passar", ao
invés de pegar seu próprio instrumento e ir ocupar seu lugar de
destaque na banda que mais o aprouver. Uma educação verdadeira deve
também ser uma facilitadora da "gestão dos sonhos", isto é, da
realização de PROJETOS DE VIDA, única forma através do qual podemos
deixar de ser apenas mais uma unidade sem identidade do "admirável
gado novo" e passamos a construir uma autonomia verdadeira, embora
integrada ao todo. Construir um projeto de vida não depende,
portanto, apenas no conhecimento ou do fazer, mas também dos
aspectos interiores do Ser e de sua relação com o entorno. E isto
nos remete para o grande desafio do qual a Educação não pode mais
furtar-se: precisamos formar não apenas seres sabedores, mas também
seres sábios!
Heráclito, o profeta do Devir, já alertava seus conterrâneos que
nossa sorte não depende tanto do nosso saber, de nossas informações
e conhecimentos, mas de nossa SABEDORIA, expressa em nosso
CARÁTER:
Ethos antropoi daimon, dizia Heráclito no que chegou até nós como
o fragmento 119, que pode ser traduzido do grego como o caráter é o
destino do homem!
Um outro mundo é possível se todos nós colaborarmos para uma
Educação que não apenas transmita conteúdos e treine habilidades,
mas que nos ajude a construir nosso destino (daimon), ajudando-nos a
formar nossa sabedoria, nosso caráter (ethos). E todos podemos
contribuir sim, pois potencialmente todas as ações e atividades
humanas, mesmo as mais comezinhas, como nos mostram com sabedoria os
Mestres Zen, podem e devem servir para que aprendamos uns com os
outros. Como disse Paulo Freire, ninguém ensina ninguém, os homens
aprendem mutuamente, na interação com o mundo.
Uma educação que represente uma nova uma Visão, como a proposta
pela ECoEx, deve integrar o SER ao SABER, quando então completamos a
dialógica do Tao da Educação, pois integramos o existencial (Ser) ao
cognitivo (Saber). Se não harmonizarmos a energia Yang do
conhecimento à energia Yin da Sabedoria, com certeza também
estaremos escolhendo um destino, pois não escolher nada também
significa escolher.
As pessoas que assinam este Manifesto estão fazendo sua escolha,
que é a de refletir e agir para contribuir com uma Educação que
trabalhe integralmente as dimensões do conhecer, do fazer, do
conviver e do ser. Ao buscar resposta e soluções para saber como
Conhecer para melhor Fazer e como Conviver para melhor Ser, nós
buscamos construir um Ethos, um Caráter, que nos conduza ao porto
seguro de um Daimon, de um Destino onde não se pergunta por quem os
sinos batem: